sábado, 16 de maio de 2015

O que falta fazer

Se entre 1987 e 1995 faltou visão para Portugal, desde 1995 até 2011 faltou tudo. Durante todo este período Portugal esteve entregue a um mix de perfis de dirigentes políticos ao mais alto nível invulgarmente maus e manietados pelas seitas existentes nos partidos. Mas não foi só a incompetência governativa e os interesses existentes nos partidos que tomaram conta do poder. A corrupção e a captura do poder por parte dos grupos de pressão potenciaram tudo o que a incompetência tem para dar: dívida e cacos derivados de organizações mal orientadas por esse sistema torpe (BPN, BPP, BES, PT, etc).
Se desde 2011 toda a sociedade se tem vindo a ajustar e a criar as bases de um novo modelo económico que urge (exportações terão que representar um mínimo de 60% do PIB), para que uma importante parcela da sociedade se ajuste os partidos políticos terão ainda que cumprir com a sua parte, ou seja, correr com todos aqueles que utilizam os partidos para se alimentarem a si e ao seu grupo de interesse. Se até no sector público os pendurados têm a vida cada vez mais difícil, nos partidos ainda encontram vasto terreno para espalhar a sua vil e pérfida conduta, sendo este um obstáculo tremendo para que melhor luz possa servir Portugal.
Em rigor não sei exactamente o que é necessário fazer para cumprir com este capítulo do nosso ajustamento, mas não resisto em enumerar algumas passagens de Eça de Queiroz em “O Conde D’Abranhos” respeitante ao Desembargador Amado, e que ilustram o meu sentimento de desprezo para com uma parte da nossa política. “Sustentado pela vasta parentela, fora com efeito levado, sem abalos nem choques, numa ascensão gradual e confortável, até à sua poltrona de damasco vermelho da Relação de Lisboa. Aí se deixara cair com o peso da sua obesidade, e cruzando as mãos sobre o estômago, começara a ruminar regaladamente. Que de modo nenhum se creia que eu queira diminuir com azedume os méritos deste varão obeso: quero somente mostrar a natureza, toda de indolência e de egoísmo, do Desembargador Amado, ocupado em se nutrir com abundância, atento exclusivamente ao jogo das suas funções, assustado se a bexiga, ou o baço, ou o fígado denunciavam alterações, sem ter coragem de se mexer do sofá durante noites inteiras, completamente desinteressado dos homens --- e mesmo de Deus”. ”As birras do obeso e obtuso Amado eram realmente singulares. Sem razão, de repente, embirrava. E era então como o obstáculo bruto, inerte, material, de um enorme pedregulho numa estrada. Era uma resistência passiva e espessa: as bochechas tornavam-se-lhe mais balofas, as pálpebras papudas mais pesadas, e sem dar razões, rosnava surdamente: --- Não estou pelos autos… Não vai… Não me calha. E causava indignação e horror, sentir aquela massa bestial e adiposa, atravancando obstinadamente o caminho!”
Grande parte da desconfiança dos Portugueses advém de um profundo desespero em ver estes pedregulhos e massas bestiais que literalmente atravancam obstinadamente o caminho e que pela sua dimensão tornam a sua remoção practicamente impossível, tal a profissionalização das seitas partidárias ocupadas em se nutrir com abundância e atentas exclusivamente ao jogo das suas funções, e tal a falta de tempo e amadorismo de quem não pensa a política como forma de se pendurar nesta vida.
Aceitam-se propostas para a empreitada.