domingo, 26 de maio de 2013

Que impostos reduzir no futuro?

A encruzilhada em que Portugal se encontra expressa bem a falta de visão, qualidade, e capacidade dos Primeiros-ministros e demais pessoal político que temos tido. Mas não só. As resmas de representantes de interesses instalados emanam uma quantidade de ruído que quase consegue atrapalhar os raciocínios dos mais lúcidos, sem contar que têm um desprezo infinito pelo bem comum e pelo longo prazo. Muito poucos são aqueles que se interrogam sobre questões de fundo, como se invocá-las mais não fosse do que uma manifestação de mero diletantismo. Assim que surge algum arrojo em emanar pensamento mais profundo a sensação imediata é de que o seu autor se “atreveu” a colocar em cima da mesa o que todos já deveriam ter colocado, remetendo toda uma plateia de pseudo defensores pátrios para uma posição defensiva numa clara demonstração de pequenez de espírito e falta de vontade de aceitar o debate numa pura base argumentativa, o que mais não denuncia do que uma mera reacção de defesa do interesse pessoal e de grupo.
 
Vem isto a propósito sobre um dos temas económicos que julgo ser aquele em que o decisor político mais terá que se debruçar quando existir margem de manobra para se baixar impostos de uma forma consistente e duradoura. Que tipo de impostos reduzir? Os respeitantes ao consumo (IVA)? Ou os respeitantes ao rendimento (IRC e IRS)? A vox populi, dominada pela esquerda “esclarecida” em estreita associação com alguma direita que tem receio de ser acusada de coração duro, vai proclamando que os impostos sobre o consumo são aqueles onde se deve dar prioridade pois é onde as pessoas de mais fracos recursos podem obter de imediato o benefício da sua diminuição. Esta linha de pensamento unitário faz-nos sentir bem no salão e dormir em consciência noite dentro. A questão é saber se isso é o correcto nas actuais circunstâncias de Portugal e no tempo em que a acção decorre, que recordo ser a segunda década do século XXI.
 
O meu pensamento diz-me que é precisamente o contrário que beneficiaria Portugal, e nomeadamente as pessoas de menores rendimentos. Os argumentos que a seguir se enumeram, ainda que vistos individualmente, penso que mais do que sobram para nos convencerem que são os impostos sobre o rendimento que devem ser diminuídos.
 
1.       A questão do desemprego. A forma mais segura de criar novos empregos reais e não fictícios é através da redução dos impostos sobre o rendimento. Para taxas de desemprego na ordem dos 20% de mãos dadas com uma dívida acumulada absurdamente elevada é perfeitamente estapafúrdio pensar noutro critério pois só o substancial aumento das exportações pode absorver a imensa massa de desempregados. Hoje já poucos colocam em causa o quanto a competitividade fiscal sobre as empresas foi algo completamente descurado nos últimos 25 anos. Temos que pensar em ter taxas de IRC na ordem dos 10%. O mesmo para o IRS, coisa que temo só compreendermos tarde demais. E isto ainda que a expensas de aumentos do IVA do escalão mais alto para 27% ou 30% no curto prazo.
2.       A questão da globalização. A globalização, essa coisa em que fomos pioneiros e que nos devia pensar que representa para o Lusitano muito mais oportunidades do que ameaças, vai sinalizando que o jogo tenderá a correr tanto melhor quanto mais baixas forem as taxas de imposto sobre o rendimento. Não discuto a globalização como fenómeno porque não vale a pena dobrar uma realidade infinitamente poderosa, e porque essa mesma realidade assenta lindamente ao perfil do verdadeiro Português (não o da repartição, como é óbvio). E isto basta.
3.       A questão demográfica. Acaso ainda não tenhamos percebido, este é o maior sarilho que temos pela frente enquanto povo. Necessitamos com máxima urgência de importar pessoas, acima de tudo pessoas altamente qualificadas, devido à diabolicamente baixa taxa de fertilidade (o famigerado número de 1,3). Sabemos que os trabalhos não estão fisicamente em Portugal em número suficiente para importar umas 200.000 pessoas altamente qualificadas. Tão pouco atrairemos essa massa de gente com os rendimentos que se pagam em Portugal aos trabalhadores do conhecimento. Mas existem aviões e aeroportos, pelo que taxas de IRS ao nível de 10% para rendimentos até 150.000 euros seria mais do que suficiente para importar essa massa de gente que cá viveria. Sim, muitos trabalhariam remotamente. E como as pessoas a serem importadas gostam de sol e praia, talvez a coisa se torne muito mais fácil do que possamos pensar. E teríamos um belíssimo efeito colateral, que seriam as visitas da família, amigos, etc, com todas as consequências positivas para as exportações. Não esquecer que o turismo é um bem transacionável, esse conceito que nunca deveria ter saído de moda. Já agora afirmo que tomo como axiomático que se atraiem pessoas e empresas para um país através de reduzidas taxas sobre o rendimento e não através de reduzidas taxas sobre o consumo. Desafio qualquer um a fazer prova contrária.
4.       A questão da meritocracia. Este argumento é mais complexo, mas poderá ser sintetizado da seguinte forma. Até ao terceiro quartel do século XX poder-se-ia pensar, ainda que redutoramente, na sociedade como estando dividida entre quem detinha propriedade e quem não a detinha. E genericamente aqueles que auferiam os melhores rendimentos oriundos do trabalho estavam no grupo dos proprietários. Como a globalização não era tão expressiva, a lógica da progressividade dos impostos tinha todo o sentido. Ora no último quartel do século XX e ainda mais no século XXI o figurino transformou-se. O maior grau da globalização conjuntamente com o advento do conhecimento como factor decisivo na produção de riqueza nas economias mais avançadas atenuam a fronteira entre proprietários e não proprietários, criando uma imensa classe cada vez com mais peso e com acesso a rendimentos médios e altos e que vale essencialmente por aquilo que o seu conhecimento e talento são capazes de produzir. Por não deterem propriedade, esta é uma classe que tem na meritocracia a sua oportunidade de ver melhorado o seu nível de vida, pelo que tratar esta mole cada vez maior, senão mesmo como a mais importante para catalisar as economia do século XXI (lembrar que a escassez está no conhecimento e talento, não no capital), como ricos a quem é preciso taxar à bruta é da mais elementar falta de bom senso. Sem contar que é extraordinariamente injusto penalizar o mais produtivo e/ou aquele que mais quer trabalhar.
5.       A questão da produção versus consumo. É sabido desde há muito (Eça de Queiroz já o dizia…) que temos uma congénita tendência para produzir menos do que consumimos. Aliás, a crise actual é acima de tudo uma crise de balança de pagamentos (querendo evitar entrar pela questão do valores). Pelo que aumentando o IVA do escalão superior e reduzindo brutalmente as taxas de IRC e IRS aceleramos a resolução a prazo deste assunto.
6.       A questão da poupança e liberdade. Por definição alguém que seja menos taxado para um mesmo nível de rendimento fica com mais rendimento disponível, e com isso pode efectuar mais consumo ou poupar. Só o facto de passar a ter esta possibilidade, ou vê-la ampliada, estamos a incrementar substancialmente o sentimento de liberdade das pessoas. Sem contar que permite melhor planeamento financeiro de cada agente, seja o indivíduo ou seja a família. E o facto de a poupança subir, pois nem todo o rendimento adicional será direcionado para consumo, isso reduzirá a nossa dependência como nação e viabiliza a independência no futuro, aumentando assim a liberdade individual e a liberdade de Portugal, o que, e acaso estejamos distraídos, se trata de um exercício simples para readquirir mínimos de soberania e dignidade.
7.       A questão da reforma de fundo do sistema de segurança social. Derivado de dar mais oportunidade à poupança facilitamos politicamente a mudança do sistema de segurança social de um modelo “pay as you go” para um modelo de capitalização, coisa que fatalmente terá de ocorrer. E já nem invoco outros bons argumentos existentes que vão neste sentido. É só olhar para a evolução irreversível da nossa estrutura demográfica para os próximos 100 anos para perceber que a questão é incontornável.
8.       A questão do prazo de validade do conhecimento. Os altos impostos sobre os rendimentos mais altos foram pensados para uma sociedade estável onde a mudança ocorria muito devagar e onde os rendimentos só variavam no sentido ascendente. Noutros tempos a variabilidade nos rendimentos ao longo da vida de trabalho era quase inexistente pois um determinado conhecimento ou talento tinha uma esperança de vida muito mais longa. Como a mudança nos dias de hoje ocorre a uma grande velocidade, isso implica que um determinado saber tem um prazo de validade mais curto, e de ciência certa que os rendimentos ao longo da vida de uma pessoa estarão sujeitos a muito maior variabilidade pelo que não tem muito sentido um modelo de progressividade neste novo cenário. Sem contar que nos períodos intermédios entre saberes é mais do que provável a necessidade de investimentos em novos conhecimentos.
A síntese que acima descrevi nem sempre vem a público com a clareza e profundidade que a nossa infeliz circunstância impõe, pois todo o espaço de debate público é ainda dominado pela demagogia, oportunismo, histerismo e resmunguice, fruto das péssimas elites políticas e dos grupos de interesse que se habituaram a viver pendurados no orçamento do Estado e que demonstram não estarem de todo capacitados para a função nobre de fazer política e tomar decisões para Portugal. Infelizmente a razão ainda vai ter que esperar um pouco mais, embora não muito, espero eu, pois o mundo lá fora não para à nossa espera.
Existem ainda três elementos subjectivos que sustentam o que acima se defende. Primeiro, temos que respeitar o primado de que primeiro trabalha-se e só depois é que se consome, o que trocado em português dá qualquer coisa como não se deve colocar a carroça à frente dos bois. E como o contrário foi feito nos últimos 25 anos há que compensar o erróneo comportamento passado e entrar nos eixos para o futuro. Segundo, é preciso passar a mensagem à sociedade de que o trabalho tem clara prioridade sobre o consumo como princípio genérico de vida. Terceiro é da mais elementar justiça potenciar a mobilidade social através do mérito pessoal. Numa altura em que o conhecimento e o talento são já a principal fonte de riqueza das economias mais avançadas, e sendo que estes atributos não são exclusivos de quem tem mais património, é fundamental não penalizar os rendimentos do trabalho com impostos elevados, dando assim fundadas esperanças para maior mobilidade social através dos méritos e não através de esquemas poucos éticos e demais tropelias manhosas (fenómeno que nos últimos anos também consolidou arraiais nos partidos políticos), e com isso potenciar maiores níveis de confiança na sociedade.