domingo, 27 de maio de 2012

Os melhores de nós

Há pouco tempo atrás, durante a tomada de posse do Conselho para o Empreendedorismo e Inovação, Passos Coelho dizia que o desemprego deve representar uma oportunidade. Uma oportunidade para procurar emprego, calculo eu, porque não quero nem pensar que o primeiro-ministro estava a propor aos desempregados o empreendedorismo como uma espécie de última instância depois de tudo o resto ter falhado. Como quem diz: estão desempregados, mas têm sempre a hipótese de abrir uma empresa e portanto não me chateiem. Muito pelo contrário, montar um negócio de sucesso não é propriamente fácil e este devia ser o desafio número um para os jovens licenciados. A rapaziada da minha idade, no entanto, continua mais interessada em banca de investimento e consultoria; uma pena, a meu ver, porque seria melhor para a sociedade se estes jovens, motivados e inteligentes, estivessem mais focados em descobrir novas formas de criar valor.

Ainda por cima, entre business angels e capitais de risco, «nunca houve tanto dinheiro para apoiar empreendedores». A frase é do presidente da Associação Europeia de Business Angels. O português, claro, é um visionário e Portugal é um dos países com maior taxa de natalidade empresarial. O problema, infelizmente, é que também temos das maiores taxas de mortalidade; apesar de se criar muitas empresas, os projectos são pouco estruturados e ao fim de dois anos apenas metade sobrevive. Ou seja, ideias originais há muitas, o que falta é gente que as implemente efectivamente e com sucesso, que crie novos empregos, mais valor para a sociedade. E para isto é essencial que se mudem mentalidades e que se ponha os jovens de hoje em dia mais interessados no empreendedorismo e menos na banca de investimento e consultoria.

Tem que haver uma aposta séria na coisa. E nós, jovens licenciados, na flor da idade, com bom corpo e força nas pernas, até falamos nisto, imaginamos empresas novas, mil e um projectos possíveis, mas depois acabamos por adormecer, na antemanhã ainda, ou falhamos na execução, exaustos, quase sempre, como se nada pudéssemos contra a carapaça burocrática de uma sociedade com poucas estruturas de apoio e uma educação redutora. Pois sim. Agora a sério: é preciso juntar nisto os melhores de nós e pôr esta porra a andar.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Importam-se de deixar os outros fazer o seu trabalho?

A questão do Euro não é tão complicada quanto isso ao nível da decisão política. Existe um clube, existem regras, existem compromissos, existem programas acordados entre todos, existem deveres e direitos, e já agora existem vontades efectivas (não daquelas para Inglês ver). Está bom de ver que o povo Grego não percebeu bem que está num clube onde não se pode nem se deve brincar. E o que o povo Grego anda a fazer é precisamente brincar com os outros membros do clube. Pessoalmente não me move nada contra o povo Grego, e inclusivamente respeito a sua revolta, não por concordar com a mesma, mas por ela me fornecer indícios claros de que o lugar da Grécia é fora da zona Euro. E isso deve ser respeitado enquanto um possível figurino, o que, em rigor, é a melhor opção para todos.
A distância entre a vontade e a vontade efectiva pode ser enorme. Claro que os Gregos querem estar na zona Euro quando somente os direitos concorrem para a formulação da opinião. Quando atentamos para a vontade efectiva, então os deveres saltam para a balança, e consequentemente a porca começa a torcer o rabo. Nesta fase, e após alguns anos a serrar presunto, chegou o momento de avaliar o assunto pela bitola da vontade efectiva. Chegado a este ponto, ainda podemos esbarrar com o facto de os Gregos inverterem de um momento para o outro essa mesma vontade efectiva. Resta então passar o teste da possibilidade técnica.

Considero que no ponto onde nos encontramos os Gregos não têm vontade efectiva, coisa que as eleições de 17 de Junho irão validar devidamente. Daí já nem se colocar a questão da possibilidade técnica. Consequentemente trata-se agora de preparar a saída da Grécia da Zona Euro e ao mesmo tempo acautelar que essa mesma saída não prejudique aqueles países onde as duas vontades invocadas andam de braço dado. E que os distúrbios financeiros esperados não impactem em demasia nas suas possibilidades técnicas.
Por isso sugiro aos Gregos que pensem um bocadinho nos outros, e que por respeito a esses outros membros do clube não prejudiquem os outros trabalhos existentes no clube e que estão em curso. O centro do mundo não é a Grécia, nem nenhum País merece mais do que aquilo a que deixa de estar disposto a fazer. Por isso, e como Português, exijo que o meu país e os responsáveis políticos legitimamente eleitos que assinaram os acordos com a Troika tenham a possibilidade de levar por diante a execução dos seus compromissos cuja prossecução são, obviamente, do interesse de todos os membros do clube.
Por isso direi que num breve prazo há que tomar decisões muito importantes e aclarar com que cenários trabalharemos no futuro. Até para que os azimutes do pessoal internacional consigam estar mais afinados e permitam melhor perceber que nesta Europa há países com ideias muito diferentes sobre como pertencer a clubes.
Tudo o mais respeita a questões técnicas de como executar o change over. Embora do domínio técnico, o facto não é de menor importância. É do senso comum e dos ensinamentos históricos, que o devido controlo dos mecanismos de feedback e precipitação de acontecimentos, cuja velocidade é perniciosamente sempre mais rápida do que os antídotos, deve ser assegurado. E aí os políticos membros do clube têm que estar muitíssimo bem sintonizados e superiormente assessorados tecnicamente. È que, acaso não se saiba, e para os mais distraídos, que já não os há para além da esquerda irresponsável e nos desmiolados que ainda por cá existem, a finança é um brinquedo muito perigoso.

sábado, 19 de maio de 2012

Como fixar e trazer pessoas para Portugal

Como já por diversas vezes comentei, o suicídio demográfico em curso é o maior desafio que Portugal tem pela frente. O enorme aumento da emigração, que os números do 1º trimestre revelaram ser muito superior ao expectável não é um fenómeno que ajude a inverter o suicídio demográfico, pelo contrário. Impedir os Portugueses de emigrar, além de não ser legalmente e politicamente possível, não resolve o problema de fundo. O problema reside na falta de esperança, que mais não é do que o resultado de falta de ofertas de trabalho atractivas quando comparadas com o potencial de produtividade individual.

Não é expectável que a economia nos próximos 15 a 20 anos seja capaz de proporcionar remunerações que desmotivem o fenómeno da emigração. No entanto, a política pode tomar medidas claras para reter as pessoas. Baixando dramaticamente os escalões de IRS para rendimentos até 10.000 euros / mês para qualquer coisa como 10% a 15% de taxa fixa, e eliminando o IRS para rendimentos até 750 euros /mês, Portugal iria potenciar bastante a sua capacidade de atrair investimento estrangeiro e com isso reter parte da população activa. E muito provavelmente ainda iria atrair muito trabalhador do conhecimento a fixar residência em Portugal, desde que, evidentemente, tenha aeroportos por perto.
Mas acima de tudo Portugal passaria um sinal muito importante à sociedade: de que estudar e trabalhar bem é compensador. Este é, porventura, o melhor tónico de que precisamos em Portugal se queremos resolver o nosso drama demográfico.
Claro que isto teria de ser negociado com a Troika, o que talvez nem seja muito difícil, nomeadamente depois de assistirmos à tragédia Grega que segue dentro de pouco tempo. Mas antes da negociação com a Troika há que ter clarividência no pessoal governativo. E nisso o passado não me deixa nada optimista.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O legado da nossa miséria


Não deve haver mais do que trezentas pessoas interessadas na produção de Ricardo Rocha. O fado, inserido no contexto musical, já não está sequer imunizado contra as tentativas de exploração mercantilista. Mas a guitarra portuguesa continua a ser um palco pequeno. Tocar em público é escusado e inútil. As tascas tradicionais são a forma de resistência possível, mas até aí a composição para guitarra portuguesa está condicionada aos seus limites. É um instrumento sem futuro que nunca se vai conseguir libertar do fado. Ricardo Rocha conseguiu, ainda assim, levar a guitarra portuguesa a outro nível e criou um reportório solista para um instrumento que não tinha esse reportório. Antes dele, só o Carlos Paredes e o Pedro Caldeira Cabral. Agora não é possível ir mais longe, já não há nada para compor, a guitarra existe para acompanhar a música tradicional portuguesa, desempenha um papel fundamental nesse sentido, mas não vale a pensa pensar que o instrumento alguma vez vai ser mais do que aquilo que é.

No meio disto tudo, Ricardo Rocha começou a tocar piano aos dezasseis anos e tem algumas peças para piano nos seus cds. É o seu instrumento preferido, pelo som e pelas capacidades quase ilimitadas de composição, mas diz que começou a tocar tarde demais e que não é pianista. Assim, o que me interessa nesta história está na tensão entre estes dois instrumentos: a guitarra portuguesa, que é um instrumento limitadíssimo, fisicamente difícil de tocar, doloroso, agudo, e o piano, que é um prazer com as suas possibilidades quase infinitas de composição. E Ricardo Rocha podia ter sido pianista, mas pegou na guitarra do avô quando ainda mal sabia andar e nasceu assim preso aos limites do seu próprio passado. A condição trágica, afinal, de qualquer português. E tudo isto é triste, tudo isto é fado.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Para quando esta série televisiva

Aqui há uns anos após a leitura da biografia de António Champalimaud, uma autêntica vertigem de acção cheia de condimentos, ocorreu-me se não seria natural um grande realizador pegar na personagem e produzir uma série televisiva. Todos os ingredientes para um sucesso tremendo estão lá. Temos heranças, zangas eternas entre irmãos em tribunal, um capitão de indústrias que começa com uma pequena cimenteira na região de Leiria, uma personalidade completamente fora do baralho no Portugal de Salazar, um casamento com uma mulher também muito rica e irmã dos concorrentes no sector bancário e outros sectores, um exílio no México de onde geria os negócios à distância no início dos anos 70 (ao que parece com uma saída de Portugal num avião particular pilotado pelo próprio), expropriações de tudo o que tinha em Portugal e metrópoles após a revolução de 25 de Abril, reconstrucção da fortuna no Brasil, retorno a Portugal onde compra um banco com 50 milhões de euros, inicia umas operações financeiras que lhe permitem ter o controlo de mais um banco e uma seguradora, tem um filho à frente para proceder à fusão dos bancos mas acaba por fazer uma operação de troca desses mesmos bancos e seguradora por uma participação de cerca de 4,5% de um dos maiores bancos europeus sem o conhecimento do filho. De caminho morrem ainda dois filhos, um de acidente automóvel, e outro assassinado com contornos hediondos.

E curioso, após a morte, deixa em testamento algo insólito em Portugal. Uma doacção que penso avaliada em 500 milhões de euros para o lançamento de uma fundação ligada à medicina (seu pai fora médico). E diz que quer uma determinada pessoa à frente dessa fundação, pessoa essa que nunca viu e que segundo a própria só falou com o senhor duas vezes na vida através do telefone. E acaba esta instituição agora como sendo qualificada um dos melhores lugares para trabalhar no mundo a acreditar por notícias recentes.
E se dúvidas ainda há sobre a personagem, e para os mais sensíveis às questões de imagem, vejam lá as suas fotografias no Google e digam se não vestia lindamente de figura central numa série televisiva?

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Ridículo e miséria da servidão voluntária


Não é só o medo. Como La Boétie explica no Discurso da Servidão Voluntária, as populações assumem a coerção e tirania dos mais poderosos também por consentimento próprio. É de forma voluntária que a multidão dirige os seus esforços absurdos à prisão imposta pelo consumismo desenfreado, desfilando desvairadamente pelos corredores de supermercados e atropelando-se em busca do aproveitamento mercantilista de promoções engendradas por departamentos de marketing absolutamente mirabolantes. A malta tem que pôr comida na mesa, percebe-se, mas pelos vistos também precisa de carrinhos cheios de cosméticos, refrigerantes e iogurtes maricas com pedacinhos de fruta cortada. De facto, com o progresso do sistema capitalista, das necessidades primárias passou-se também à produção e ao consumo de um catálogo sem fim de superficialidades. Desse modo, a campanha do Pingo Doce apoia-se no desespero do país para levar a população a consumir a preço de saldo produtos supérfluos que de outro modo não consumiria tão facilmente, tirando ao mesmo tempo partido da situação de forma a criar uma onda de euforia e publicidade à sua volta. E sabe bem pagar tão pouco.

O consumidor não tem dignidade em condições destas e é a própria ânsia pelo consumo que dita a lei. Perante isto, a única postura inteligente é a da contemplação, com humor, do ridículo da ocorrência, reparando na forma gregária como as pessoas se voluntariam para a desordem e para a anarquia como se o mundo fosse acabar. Podia ser o cenário de um livro de Albert Cossery. E assim sendo é absurdo criticar o Pingo Doce, as leis do consumo ou o desvirtuamento do feriado. A violência é inócua, não nos resta outra alternativa senão o escárnio. E por isso temos que rir, sobretudo, mas também perceber que é triste ver esta gente comprar a felicidade num supermercado.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Os sinais continuam

Os juros implícitos no mercado secundário da dívida de Portugal têm baixado desde há duas semanas. Este é o melhor sinal de que no exterior Portugal começa a ser visto como um país que agora tem mais probabilidades de ultrapassar as dificuldades que enfrenta, que são, já agora, assegurar a sua solvabilidade e sobrevivência na zona Euro. Estamos claramente a seguir uma rota a caminho de excedentes ao invés de termos o até agora objectivo patético de défices aceitáveis!!!

Pouco se deu atenção ao facto do decréscimo dos juros, mas daqui a uns tempos este será invocado como o verdadeiro ponto de inflexão ao nível da percepção internacional. Isto porque a realidade já brindara os mais atentos do burgo com aumentos significativos de exportações e decréscimos significativos de importações. Agora falta cumprir com as medidas estruturais (lei das rendas, trabalho, tratar da justiça, etc) e na redução da despesa pública. Estas componentes demoram por natureza mais tempo e os seus resultados demoram a aparecer. Mas quando tudo vai na direcção certa os sinais resultantes do efeito combinado far-se-ão notar com mais intensidade.

Segundo notícias vindas a público a animosidade dos Gregos para com os Alemães acentua-se cada vez mais. Espero que os Portugueses não enveredem pelo mesmo caminho. Tratemo-los bem e lembremo-nos de os bem receber por cá. Se o fizermos teremos cedo ou tarde publicidade grátis por terras germânicas e colheremos o benefício da generosidade de quem nos quererá ajudar, por um mecanismo de oposição em relação aos Gregos, brindando-nos com a sua visita. Isto parece um fenómeno menor mas daqui a um ano a coisa será falada internacionalmente aos quatro ventos. E veremos então que o assunto é muito relevante.