segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O pendura

Eis um conceito está prestes a dar o berro: o pendura. A nossa sociedade produziu e consolidou uma enorme quantidade de penduras nos últimos 40 anos. Andamos cheios desta espécie que teve o condão de se espalhar por toda a sociedade, a todos os níveis, e com um grau que jamais se pensou ser possível.

O pendura é um cromo muito peculiar. A sua primeira característica é que não tem o mínimo problema em o ser, embora não o queira parecer. Percebe-se o porquê, do ponto de vista do pendura, claro está. Por não saber viver de nada, ou porque aquilo que produz com real valor é inferior ao que quer consumir, o pendura vê no andar pendurado a sua única opção de vida.

A segunda característica do pendura é negar ou esconder que o é por opção. E quando por uma qualquer circunstância fica evidenciado que ele é um pendurado, o pendura não hesita em invocar uma ou mais razões que explicam porque pontualmente (pontualmente… na sua cabeça) pode parecer nesse momento mais vulnerável. Esse é um momento sempre doloroso, pois por definição o pendura quer sempre passar por aquilo que não é.

A terceira característica do pendura é a sua impossibilidade de se reformar com base na razão. De ciência certa o pendura não muda pela voz do argumento pois por natureza o argumento é um instrumento que se utilizado pode facilmente desmascarar o pendura. E por viver num mundo de ilusão o pendura é naturalmente defensivo e avesso a qualquer forma de diálogo que o possa colocar em cheque.

Os penduras encontram-se nos locais mais expectáveis e visíveis, como na função pública. Aí são aos quilos. O exemplo mais gritante serão os professores. É o diabo entenderem que não são necessários tantos devido ao cada vez menor números de alunos. Sem contar que querem progressões automáticas e se recusam a ser avaliados pelos mesmos mecanismos pelos quais as pessoas são geralmente avaliadas. Mas também os há numa versão mais palaciana. O exemplo mais recente da nossa sociedade foi o lobby da construção que literalmente assaltou o orçamento dos anos passados… e futuros (sim, as PPP). Este lobby, de verniz mais cuidado, fez-se acompanhar de um rol de consultores e advogados que solidamente também se penduraram, directa ou indirectamente,  no orçamento.

Mas também há outros penduras, muito menos visíveis, mas também muito activos e corrosivos. Há os aldrabões que se aproveitam da ineficiência da nossa justiça e com isso não honram compromissos, há os profissionais em arrendar casa sem pagar renda, e há ainda os que se penduram na família mesmo já depois de saírem de casa pois as suas desmiolices arranjam sempre forma de se socializarem com os restantes membros.

E depois há aquele pendura que vive nos partidos políticos. Este pendura tem-se desenvolvido com fulgor nos últimos anos e teve como expoente máximo Santana Lopes e José Sócrates. Os estragos são aliás bem visíveis. Esta espécie, muito especial e perigosa dada a legitimidade democrática com que soube vestir, invadiu literalmente o poder político. E instalou-se. Este pendura, possuído de uma leonina capacidade de fazer valer o seu interesse pessoal em detrimento do interesse do país, carrega consigo uma crueldade e capacidade de triturar adversários só possíveis em quem abdica da ética na tomada de decisões. Estes penduras utilizam a fidelidade como moeda de troca dos favores distribuídos, favores esses que mais não são do que a própria razão de existir deste pendura no agrupamento político de que faz parte. Não que o fenómeno seja novo na história do homem, mas o grau com que se manifesta e o alcance pernicioso da sua acção torna o fenómeno demasiado maligno, ou não fosse o sarilho presente o resultado das patetices de tanta inconsciência de quem nunca devia ter pisado os terrenos do poder político.

Em Portugal o pendura anda a começar a viver dias difíceis devido ao rigor que veio para ficar. Com isso foi simplesmente exposto como vítima do seu sucesso, e aos poucos vai sendo acossado e desmontado a muitos níveis. Mas há um local onde o pendura parece ser, ainda, intocável: nos partidos políticos. Compete a quem anda pelos partidos sem espírito de pendura em atirá-los borda fora de modo a viabilizar boas lideranças e bons governos. É uma obrigação.

Acácio

Por duas vezes num curto espaço de tempo o nosso ilustre Conselheiro Acácio, residente no Primo Basílio de Eça de Queiroz, veio à berlinda em textos lúcidos do Professor César das Neves (DN de 5 de Novembro) e do historiador João Ramos (Expresso 29 de Dezembro). Os Acácios terão vivido algures na viragem para o século XX, mas os seus espíritos transcenderam as suas vidas terrenas e ainda hoje fazem furor em muitos domínios da nossa política, embora sobre um prisma diferente. As gentes de hoje não veneram os políticos, sendo prova disso os mimos com que os mesmos são apupados amiúde. Mas têm ainda uma fé inabalável que o seu futuro depende de algo exterior a si, e, consequentemente, verem nas políticas despesistas a sua tábua de salvação. Um pouco como aquele filho que está naquela fase em que só sabe dizer mal de quem o sustenta mas que é incapaz de se sustentar a si próprio.

Muitos Portugueses, e não só os de esquerda que só sabem andar pendurados nos outros, só vêm a realidade desde que a mesma se lhes apresente expurgada de responsabilidades, ou seja, carregada de direitos e de exigências em total desproporção com os deveres com que se está disposto a contribuir. Não que haja problema em pouco se contribuir em termos de deveres. Somente não se pode exigir mais do que aquilo que se está disposto a dar.
Portugal está como aquele jovem urbano conhecedor dos modos mais sofisticados de como viver cosmopolitismo, com imensas capacidades e discernimento sobre as melhores escolhas da infinita e sugestiva panóplia de bens e serviços existentes, com uma pré-disposição sem freio para exprimir a sua opinião como um verdadeiro connaiseur, e que olha com desdém o passado e todas as dificuldades a ele associadas. Somente lhe falta saber produzir em conformidade de modo a acompanhar toda a sua desenvoltura quando se trata de consumir. E para isto não há Acácios que nos valham, venha o mesmo sob a versão século XIX ou XX (versão século XXI não chegou a haver, coisa que a esquerda ainda não percebeu).
Falta a este Portugal começar a fazer uma coisa que tudo faz mudar: pagar contas. E nada como pagar as próprias contas e responder pelos próprios actos para passar a ver o mundo de outra maneira. Assim vai Portugal.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

A queda do tio desmiolado

Poucos olham para o Ministro das Finanças como o melhor ministro das finanças que tivemos nos últimos 28 anos. Acriançados como ainda estamos, é mais do que natural que neste período o melhor ministro das finanças seja odiado e o pior adorado. Na vida civil nunca o austero granjeia muita simpatia. Nunca é o tio forreta racional que cai nas boas graças da criançada, antes é o tio desmiolado que com as suas acções pouco temperadas pelas consequências o que obtém mais sucesso. É sabido que as crianças gostam que os crescidos brinquem de acordo com os seus critérios de diversão, deixando por isso o forreta racional de fora do seu ranking de preferências. Só décadas mais tarde o forreta racional é tido em conta como exemplo, precisamente quando os critérios de condução da vida passaram a ser o da boa governância e da sujeição ao preceito das regras, e já não à sujeição da brincadeira efémera que não olha a consequências. Há como uma passagem de testemunho, não pela mão do desmiolado para o forreta racional, mas pelas mãos da audiência. A norma diz que o desmiolado é de uma natureza tal que não viabiliza qualquer transferência suave de testemunho, pois a sua irracionalidade natural é de difícil compatibilização com quem conduz as coisas com base em argumentos mais sólidos. Assim, por norma, o desmiolado tem poucas décadas para reinar e reserva-se a si mesmo um tombo algures no processo.
 
Portugal está numa fase de passagem de testemunho. A fase é naturalmente dolorosa pois não se imagina que de ânimo leve se troque de forma natural o gozo infantil da pândega irresponsável pelo rigor graúdo da seriedade responsável. O último ano dos últimos 28 anos corresponderam aquela fase da vida em que o tio desmiolado foi desmontado e posto a nu no seu total e absoluto divórcio com a realidade da vida e das suas mais elementares regras de ordenação civil sobre a qual a mesma se edifica. Agora que os sobrinhos cresceram, e com os decorrentes desafios que uma vida adulta impõe, o tio forreta racional tenderá a ser trocado nas preferências relegando assim o tio desmiolado para o cantinho das memórias.

Ainda não sabemos bem se este tio forreta racional é o que melhor nos serve. Sabemos somente que se encontra na categoria que doravante melhor nos serve, pois do tio desmiolado só sobram contas a pagar e outros fardos. Neste momento a vox populi dos sobrinhos produz ainda uns clamores vagos pelo tio desmiolado em perfeita sintonia com o natural temor pela maioridade que já chegou. No entanto, as manifestações revelam um saudosismo já muito fugidio e em plena direcção oposta. Nesta época turbulenta de transferência de preferências restam aos sobrinhos três hipóteses. Ou pôr a cabeça na areia numa reacção pura de negação da realidade, prolongar a criancice por mais uns anos dotando o seu discurso de generalidades puramente ditadas pelo sentimento, o que mais não é do que uma bela candidatura a tio desmiolado da próxima geração, ou um pulo imediato para o patamar da razão e tratar os assuntos com a seriedade e maioridade com que eles devem ser tratados. Assim vai Portugal.

sábado, 1 de dezembro de 2012

Uma faca de dois gumes

Existem dois factores externos que influenciam a evolução económica de Portugal e sobre os quais não temos a mínima capacidade de influência. A cotação do Euro e a evolução da situação na Grécia. Parece evidente que a situação na Grécia caminha para onde todos sabemos, embora não saibamos quando. A situação da Grécia vai ajudando Portugal num sentido pois enfraquece o Euro e torna as nossas exportações mais competitivas para fora da zona euro, precisamente onde é mais aconselhável crescer. Por outro lado prejudica-nos já que uma eminência da saída da Grécia da zona Euro faz subir os custos de financiamento a prazo para Portugal e para as empresas portuguesas.
 
É neste nó que a nossa economia se vai debatendo e parece que só o tempo terá a capacidade de desmontar este desiderato. A importância de nos desmarcarmos da Grécia é real. Não somos Gregos, nem o queremos ser. Por isso há que continuar a fazer o trabalho de casa e dar tempo ao tempo. Com tempo, e por isso com mais histórico, daremos a possibilidade aos outros de perceberem que cada um pode tratar da sua história e com isso colhermos os benefícios de sermos brindados com taxas de financiamento mais baixas, significando com isso que somos viáveis na zona Euro.
O pior mesmo é se a faca arranja mais gumes. Rezemos para que nuestros hermanos mantengan la calma.