sábado, 16 de junho de 2012

O que cada um representa

Tem sido engraçada a nova infantilidade política em curso por muito dos corredores de poder desta Europa. O Sr. Hollande, bastião da boa nova do crescimento económico como boia de salvação da Europa e de todos os males que nos desassossegam, parece acreditar que o crescimento económico pode ser tratado como uma opção passível de ser decretada. Esta ingenuidade até será aceitável para alguém que ande a sofrer seriamente com a crise em curso, mas é ridícula em alguém que se encontra num posto de comando.

Crescimento económico não é algo que se decrete. O crescimento económico sustentado e saudável ocorre quando as bases para o seu aparecimento são edificadas e solidificadas. E para quem ainda não se tenha apercebido, o que se está a tentar construir nos países meridionais é precisamente as bases para que mais tarde se possa crescer. O problema na economia é que estas coisas demoram alguns anos. E o problema das pessoas nos dias de hoje é que querem tudo já, à boa maneira do faça já, compre já, ou ainda do emagreça já.

Como a cabeça do vulgo tem sido massajada há décadas na infantilidade, a superficialidade e a ilusão tomaram conta das percepções. Assim, a distância destas para a realidade assumiu dimensões gigantescas. A chegada desta última traduziu-se inicialmente pela negação, e mais recentemente transformou-se em frustração quando a sua inevitabilidade foi finalmente percepcionada. E é neste ponto emocional em que nos encontramos, que mais não é do que um terreno fértil para a astúcia e o ludíbrio.

O Sr. Hollande querer agora capitalizar a posição menor da França face à Alemanha à custa da insatisfação emocional de parte da massa ignara e infantil. Evidentemente que o seu aparente sucesso inicial mais não é que o resultado de um desabafo momentâneo das massas, como um gordo que vai na sua terceira semana de forte dieta e que se deleita à sucapa com dois pastéis de nata: sossega-lhe o corpo e a gula mas perturba-lhe o processo. A vontade e a acção conflituam, e a doçura da última torna-se mais forte que a razão da primeira. E é isto que o Sr. Hollande representa face à Sra. Merkel. Vontade. Uma vontade danada que tudo passe depressa, que a realidade não seja, e que o erro não tivesse acontecido.
Acontece que o Alemão tem provado saber bem do que fala. Para além disso é um povo a quem foi dada a conhecer a amargura quando tomou opções em conformidade com estados de alma. Hoje o meridional está confuso e com pouco discernimento, e a verdade diz que ele precisa de austeridade de modo a eliminar o hiato entre as suas percepções e a realidade. Quando esta aliança for feita, então o crescimento brotará, não por decreto, mas por vias das forças naturais da própria sociedade. Não há nenhuma evidência, tão pouco histórico, de que poderá existir crescimento e desenvolvimento numa sociedade que vive dissociada da realidade, pelo que, lidar de frente com esta é condição necessária para a obtenção daqueles. Enquanto uns dedicam-se na compreensão e relacionamento com a realidade, outros preocupam-se com a existência da mesma. Em posições de comando é isto que distingue o sabedor do ignorante.

domingo, 3 de junho de 2012

Uma dica ao Sporting Clube de Portugal

Curta declaração de interesses. Sou do Benfica, mas preocupa-me a situação actual do Sporting. Simplisticamente olho para o Sporting como clube e vejo a Grécia como país. Poderia regozijar-me do facto enquanto benfiquista, mas não o faço por entender o quão importante é para o desporto nacional, e o football em particular, ter um Sporting forte em termos desportivos e em termos financeiros.

O problema do Sporting consiste na apresentação sistemática de prejuízos e a consequente acumulação de uma dívida gigantesca quando comparada com a receita potencial. Isto é o cenário da Grécia nos dias que correm. No entanto, e ao contrário da Grécia, o Sporting tem uma solução. E é este ponto que me faz escrever estas linhas.

Ao que parece o actual presidente do Sporting fez umas deslocações pela China e Índia com o objectivo de encontrar investidores que queiram investir no Sporting. A esta ideia voluntarista falta aquela dose de realismo que se impõe nesta altura. Haja consciência que a probabilidade de sucesso desta investida pelas bandas asiáticas é nula, senão contraproducente, pois falar em football português por aquelas bandas poderá trazer interessados… mas para o Benfica. Basta para isso olhar para os relatórios da Deloitte de 2011 e 2012 sobre o football. O potencial de aumento de receitas do Benfica no curto prazo é tremendo (renegociação dos contractos televisivos e muito boas perspectivas de participação continuada na liga dos campeões), pelo que se algum milionário quiser brincar ao football em Portugal atirar-se-á muito mais depressa ao Benfica.

O que o Sporting deve fazer é tentar arranjar investidores depois de limpar uns 200 milhões de euros no seu passivo. Um investidor meio maluco, e há muitos deles com imenso milhões disponíveis pelas arábias, índias e chinas, talvez arrisque investir no Sporting se entrar com dinheiro para investir, não para limpar passivos. Esses investidores olham para o football como uma criança olha para um brinquedo. A sua relação é maioritariamente ditada pela componente lúdica. Ora neste momento não há nada de lúdico que o Sporting tenha para oferecer, a não ser uma tremenda novela grega que aí vem. Ao invés do Manchester City, que não ganhava um campeonato Inglês desde 1968, mas que sempre tem como atractivo o jogar na liga inglesa, o que não é despiciendo, e ser o clube da “terra” já que possui uma massa de adeptos em Manchester superior à do Manchester United (penso que relação de 60/40).

Assim, a direcção do Sporting se quiser realmente salvar o Sporting tem que dizer aos seus sócios e simpatizantes o seguinte. “Olhem, nenhum dos milionários nos quer como brinquedo para brincar aos campeonatos e taças. Para que isso possa eventualmente vir a acontecer, mas acima de tudo para que sobrevivamos como clube, é preciso que limpemos o nosso passivo nuns 200 milhões de euros. A proposta é a seguinte. Efectuar um aumento de capital nesse montante para amortizar dívida em igual montante. O propósito não é ganharem dinheiro com o investimento. O propósito é não perderem um clube. E, quiçá, um dia, talvez algum árabe meio embriagado venha a gostar de nós e se permita torrar por aqui uns milhões para comprar a sua equipa de football. Ha, esse aumento de capital até poderá ser feito ao longo de 4 anos à razão de 50 milhões de euros por ano, o que para um universo de 100.000 sportinguistas subscritores daria 500 euros por ano. O que é que acham? Vamos a isso?”

Eu sei que pode parecer uma proposta meia tola, mas quando as coisas apertarem à séria (e está quase…) e se colocar em cima da mesa a falência do clube e a sua respectiva liquidação, então todas as soluções, como a que acima indiquei, passarão a ser consideradas muito plausíveis. E esta até pode bem ser das melhores que se arranjam, especialmente se alguém vier com uma alternativa do estilo “Imploda-se o estádio de Alvalade, vendam-se os terrenos, e aluguemos um dos estádios de Lisboa para lá se fazerem os jogos”.

Isto não é do domínio do surreal. Surreal é a situação actual.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Dobrar-nos-emos?

Portugal está num processo de mudança muito grande. Poucos andarão a dar conta disso, mas esta crise está a modificar aos poucos os alicerces sobre o qual montámos a nossa vida nos últimos 25 anos. Julgámos ser possível trilhar um caminho para que nos levasse a um nível de vida Nórdico aplicando práticas Meridionais naquilo que as mesmas têm de mais funesto. A falácia alimentou-se pela cegueira voluntária do indígena e pelo desregrado contínuo aumento do endividamento geral.

Em todos estes anos a sociedade pouco se sensibilizou para se questionar sobre os fundamentos que levaram os Nórdicos a gozarem o nível que hoje têm. Como que ocultando um medo de uma qualquer evidência reveladora de que determinado tipo de alicerce tivesse de ser erigido. Impor limites ao endividamento público? Tratar da nossa Justiça? Tratar de ter um mercado de arrendamento imobiliário normal? Tratar de cuidar na construção de uma sociedade mais independente do Estado? Tratar de criarmos mecanismos que premeiem o mais produtivo? Tratar de exigir muito mais de quem não quer fazer nada, ou fazer muito pouco, e de ainda quer viver à conta dos outros? Tratar de ser implacável para com o aldrabão e espertalhão de meia-tigela?

Em todos estes domínios falhámos, e num grau muito superior ao razoável. E é em todos que somos agora obrigados a mexer de modo a encarrilarmos e podermos continuar no mesmo comboio que os tais Nórdicos. Em 1 ano já fizemos o mesmo do que outros fariam em 2 ou mais anos. Mas o caminho é muito longo, e falta ainda muito para modificar em elevado grau o que tem de ser modificado de modo a gozarmos o mesmo nível de vida daqueles com que nos comparamos. Em muitas matérias a política pode fazer muitas coisas. E eu não duvido que irá fazê-lo. Noutras, dependeremos da humildade em nos questionarmos bastante sobre alguns traços da nossa cultura e da predisposição para organizar a nossa sociedade e comunidades locais de outra forma. Não será fácil, mas o prolongar dos tempos difíceis que teremos fatalmente de percorrer ir-nos-á alertar para a necessidade de dobrarmos um pouco a nossa maneira de ser. A ver se a humildade e o querer serão suficientes.