sábado, 31 de dezembro de 2011

À Mão-Armada???

Um amigo há uns anos contou-me um episódio curioso, passado nas estradas no Alentejo litoral, durante o Verão. Conduzia um «jeep» da mulher, que juntamente com as filhas o acompanhava no passeio. De repente, na margem do caminho, havia uma operação-stop na qual um agente da GNR passava os olhos pelos documentos de um automóvel que nesse momento estava parado, por indicação da força de segurança.

O meu amigo seguiu tranquilamente o trajecto por uns metros, até notar que o guarda em questão tinha largado os papéis que há instantes tivera nas mãos, e corria na sua direcção agitando os braços e soprando com vigor no apito. Era impossível ignorar que o guarda tinha algo de muito importante a dizer aos passageiros do Jeep.

Em consequência, o condutor parou o carro e esperou que o guarda, ofegante, lhe explicasse a razão para tanto alarido. Em troca, o GNR limitou-se a pedir os documentos da viatura. O meu amigo estranhou tanto zelo, ainda para mais quando o fulano se tinha desinteressado do trabalho que tinha em mãos há momentos atrás, com o outro automóvel.

O meu amigo foi entregando diligentemente a papelada toda, uma-a-uma: carta de condução, livrete, seguro, título de propriedade…

Eis então que o guarda «dispara»:

- E o documento da inspecção?!
- Sr.Guarda, este carro é relativamente novo – ainda não tem que fazer a inspecção…
- Tem, tem – replicou o guarda. – Este carro devia ter feito a inspecção no mês passado. Fez?!...

Ainda mal refeito da surpresa, o condutor lá balbuciou – Não…
- Então, vai ter que pagar a multa – rematou o senhor guarda. Ficando clarificado o mistério do súbito interesse que a ave de rapina tinha encontrado no (ou, na data da matrícula do) Jeep.

Estórias destas fazem parte da vida de quase todos os portugueses. Admitimos que no estrangeiro se possa fazer igual, ou pior – mas isso não branqueia a perfídia que existe por detrás do modo muito português de praticar a autoridade.

Entre nós, é vulgar ouvir-se a frase «o Estado não é pessoa de bem». É uma expressão que por acaso me faz alguma confusão. Para começar, como gosto de conceitos simples, à partida não me é fácil reconhecer uma «pessoa» no Estado. Na verdade, se os meus filhos de 8 anos me perguntarem o que vem a ser, afinal, essa coisa de «Estado», vejo-me logo em apuros para explicar.

O argentino Jorge Luís Borges, numa das mais famosas das «tiradas» que lhe custaram o Prémio Nobel da Literatura - que nunca lhe foi atribuído (os académicos do Norte da Europa gostam mais de galardoar gente da esquerda, nem que morem em moradia com piscina interior e vistas de mar) - opinou que os países e Estados são abstracções burocráticas, e que aquilo que conta realmente são os indivíduos. Sócrates, milénios antes, já havia divulgado entre compatriotas que não era ateniense, nem grego, mas cidadão do Mundo. Aparentemente, Luís XIV resolveu a coisa de um modo muito mais simples: «L’État, c’est moi!».

Porém, há realmente momentos em que os poderes que nos governam (chame-se-lhes o nome que se queira) têm motivações malvados e soezes. Todos sabemos que Portugal se encontra nas condições financeiras internacionalmente reconhecidas. A culpa não é da senhora alemã que agora temos visto em «outdoors» com uma garrafa de licor Beirão nas mãos, porque o país dela, apesar de ter sido devassado por 2 guerras mundiais (e respectivas indemnizações compensatórias aos Aliados, porque ambas foram perdidas pela Alemanha) nos últimos 100 anos, continua com uma solidez financeira invejável. Logo: teremos que pagar o que devemos, nem que haja sofrimento para todos. E eu sei do que falo, porque sou docente do ensino público, e já perdi meio-subsídio-do-natal este ano, e no próximo, será o que todos sabemos. Estou portanto solidário com o esforço nacional, e com o respectivo governo de salvação conduzido pelo Dr. Passos Coelho. Mas há coisas que passam dos limites!!!

Há uns anos, o cidadão português fazia bichas em tabacarias pelo país fora, a comprar o popular «selo do carro». Quando isso acontecia - e no modo invariavelmente incompetente próprio do tal «Estado», nunca era exactamente no mesmo momento do ano – toda a gente ia sabendo, e comprando a tal vinheta que depois colava no pára-brisas do carro. Fazia mesmo parte do calendário (volante…) da nação. Filhos iam comprar o selo a pedido dos pais. Amigos ofereciam-se com diligência: «Vou comprar o selo do carro. Queres que te compre também o teu?...»

Hoje, já não há nada disto. O selo, fisicamente falando, já não existe, o que traz desde logo ao Estado uma grande vantagem: não tem que se dar ao trabalho de o imprimir e distribuir. Esta vantagem não é pequena: o Estado gosta pouco de trabalhar. Hoje em dia, ou faz «outsourcing», ou então obriga o cidadão a fazer o papel que, a rigor, devia competir ao Estado. Ou seja: é cada vez mais difícil explicar aos meus filhos de 8 anos o que é o «Estado» e «para que serve» - uma vez que a «natureza da coisa» muitas vezes é mais fácil de caracterizar em acordo com o propósito que serve.

A nova modalidade, mais de acordo com a ficção que o senhor engenheiro José Sócrates criou de país tecnológica e ambientalmente evoluído, obriga o cidadão a apurar quando deve pagar o selo, havendo 365 possibilidades por ano em aberto – ao contrário dos velhos tempo, em que o país era atrasado e tosco, em que passávamos frente à tabacaria e de repente, a bicha de gente à porta fazia-nos lembrar que era tempo de tratar do selo do carro.

Perguntar-se-á o leitor: será que tenho saudades de passar meia-hora na bicha?! A resposta, obviamente, é NÃO. Mas tenho em compensação um certo apreço por sistemas transparentes, que se percebem, e que colocam cada um no seu lugar – Estado e contribuinte.

Imagine-se, em termo de comparação, que em vez da companhia de seguros onde temos o carro segurado nos enviar avisos para pagar, ou que o mesmo se passasse com os prestadores de infraestruturas (telefone, água, electricidade, etc.) – que competia à pessoa que é servida o ónus de descobrir quando lhe compete pagar. Não faz muito sentido, pois não?!

Já se adivinha ao que vou. Sou certamente acompanhado por milhões de portugueses, que nos últimos meses têm sido vítimas do mesmo assalto à mão armada por parte do Estado. Algum espertalhão deve ter tido a ideia luminosa de sacar ao cidadão retroactivos dos dias de atraso na liquidação do imposto em anos sucessivos que, muitas vezes, adveio simplesmente da ignorância do dono do automóvel. Se as pessoas já têm tantas coisas com que se preocupar, agora ainda têm que andar atentos aquele dia, de entre os 365 possíveis, para não entrar em incumprimento. É que JÁ NEM TEMOS A VINHETA NO PARA-BRISAS a lembrar-nos do facto. O país é moderno e inovador: já não precisa de vinhetas!!! Ou será que o Estado já estava a contar com a ignorância do contribuinte, justamente para o assaltar do modo que se tem visto?! Até os homens da Troika se devem ter espantado com tanto requinte!!!

E há mais: não deve haver pouca gente que, em operações auto-stop, em seu dia, tenha sido pesadamente autoado por causa de não ter o selo (que não existe!!!) pago, e agora vai ser novamente penalizado com a dita multa.
Por fim: o antigo selo dizia respeito ao imposto de circulação. Creio que, se o carro estivesse metido numa garagem o ano inteiro, não tinha que pagar selo – mas também não podia circular. Na actualidade, mesmo que o carro não tenho motor – terá sempre que pagar. Admito que haja algum regime de excepção e que o contribuinte, que arranjou emprego na Patagónia ou no Tibete, tenha um procedimento que o isente (ou ao seu carro) da liquidação do imposto, porque o tem guardado numa garagem em Benfica. Mas a possibilidade (a existir!) deve ser tão trabalhosa, que de certeza que dá muito menos trabalho pagar o imposto. E eventualmente também – a respectiva multa!!!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O choque social de 2012

É bem conhecido o antigo ditado Italiano aquando da grande emigração para a América no início do século XX: “An old Italian saying summed up the disillusionment felt by many: "I came to America because I heard the streets were paved with gold. When I got here, found out three things: First, the streets weren't paved with gold; second, they weren't paved at all: and third, I was expected to pave them.”

Os Portugueses estão para a Europa nos dias de hoje como os Italianos estavam para a América nesse tempo. Aquando da entrada na CEE acreditámos que por decreto superior seríamos Nórdicos ao virar da esquina. Na segunda metade de 2011 descobrimos que afinal o pavimento não é de ouro e tão pouco está pavimentado. O próximo passo, está bem de ver, trata da descoberta de que é suposto pavimentarmos a nosso caminho. Em termos práticos corresponde a sermos forçados aceitar trabalhos que passámos a desdenhar nos últimos 25 anos. 2012 vai ser o ano do início da maior revolução das atitudes e comportamentos sociais de que há memória no nosso país.

Tempos interessantes de seguir.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O bailinho da Madeira acabou

Acabou-se a pândega de Jardim lá pela ilha da Madeira. A lógica da Troika chegou lá, seja pela mão da dita, seja pela do governo central. Isto mais não é que outro sinal que as facturas estão aí e de que as dívidas são, como sempre o foram, coisas muito sérias. Que esta geração e as vindouras interiorizem a loucura que levou Portugal até este ponto. O que se passou foi uma completa e total anormalidade.

Na questão da Madeira há uma dúvida que me assalta. Será que Jardim tinha, ou ainda tem, a intenção de tornar o arquipélago da Madeira independente? Se sim penso que não irá conseguir. Neste momento não há a mínima margem de proceder a qualquer tipo de chantagem com o Continente pelo simples facto de o Continente não estar em posição de ser chantageável, quer economicamente por estar todo endividado, quer politicamente, por se estar tudo nas tintas e por estarmos sob intervenção internacional.

Os Portugueses da Madeira vão agora pagar muito caro as despesas que o seu (des)governo regional fez. Como talvez os Portugueses do Continente já tenham percebido, votar mal produz resultados muito diferentes de votar bem. Até agora nunca experimentámos votar bem. E que tal experimentarmos isso um dia?

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Querido Líder

Morreu o querido líder, e o artido Comunista Português enviou as suas condolências. A situação é divertida, quando vista de fora – porque para quem vive na Coréia do Norte não deve ser tão divertida como isso. O país deve parecer a Sede da Soeiro Pereira Gomes, mas à escala nacional. Ou seja: quando atravessamos à saída a soleira da porta da Sede do PCP no Rego, podemos enfim respirar de alívio e regressar à Liberdade e à Democracia na cidade de Lisboa. Em Pyongyang, pelo contrário, estar dentro ou fora da Sede do Partido é indiferente, porque Partido, Sede e País são tudo a mesma coisa.

Único representante do comunismo estalinista, a Coréia do Norte traz à memória o roteiro turístico que o mundo marxista-leninista desde 1917 nos legou: paraísos do operariado, desde a Albânia à RDA. Tudo lugares maravilhosos, de onde os residentes queriam fugir a todo o transe, mas para onde ninguém queria ir viver. Bem enganados hão-de ter sido os comunistas na clandestinidade, antes do 25 de Abril, para acreditarem que aquilo era o melhor que o futuro tinha para reservar. E veja-se bem que a geografia política nos conseguiu oferecer essa pérola do antagonismo, colocando paredes-meias o mais anacrónico regime comunista com o mais desenfreado representante do capitalismo. Porém - pergunte-se ao intelectual de esquerda mais bem pensante português: a ser-lhe dada a escolha, preferia viver o resto da sua vida na Coréia do Norte ou na Coréia do Sul?!
Está claro que, tratando-se de paraíso, tem que ter anjos, santos e beatos. O Kremlin e a múmia do grande inventor da URSS estão lá para nos apresentar aquilo que se tem visto na Coréia do Norte. Tem sido sugerido que as imagens de operárias em transe colectivo de choro, e de generais e dignitários de cabelo pintado e ar pesaroso, em cortejo diante das relíquias do querido líder, se tratam de meras encenações. Por mim, antes prefiro que seja de facto assim – orque não o sendo, significa que aquela gente está mesmo com saudades do tirano, e nesse caso, podia transformar-se a Sede em manicómio, e declarava-se a estultícia colectiva dos norte-coreanos. Acresce que este Kim sucedeu a outro Kim, mas vai suceder-lhe outro Kim. O que significa que - mais Kim, menos Kim - vai tudo ficar na mesma. Não se vê portanto motivo para tanto lamento.

O argentino Jorge Luís Borges elaborou, há uns bons anos, sobre a sua teoria pessoal da imortalidade, a que chamou «leonidade». Explica-se em poucas palavras: o leão que vemos hoje no jardim zoológico é essencialmente o mesmo que viram os nossos bisavós. Os animais, de um modo geral, mantêm-se inalterados e, salvo um ou outro domador de feras que os sabe recordar depois de mortos, são de alguma maneira arquetípicos. Os norte-coreanos fariam bem em ler a teoria de Borges e enxugar as lágrimas, percebendo que o seu querido líder é imortal - ainda que por vezes mude ligeiramente de aparência. Orwell deu-lhe um nome: Big Brother.

A não ser que se descubra que afinal os norte-coreanos desesperam há 3 gerações que o futuro lhes traga a Kim porque tanto suspiram. Kim Basinger.

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Será que em 2012 vamos tratar do absurdo das rendas?

Um dos assuntos mais nauseabundos existentes em Portugal respeita esse absurdo de rendas ao nível de 12 e 100 euros. Entra pelos olhos de todos, mesmo os mais distraídos, que isso é o maior disparate, a coisa mais disfuncional, mais tonta e ridícula que Portugal produziu. Há que arrumar esta situação urgentemente. É uma questão de justiça elementar todos pagarem os preços de mercado. Quando isso acontecer o nosso parque habitacional será cuidado e devidamente mantido, colocam-se todos os cidadãos sobre uma mesma plataforma, estimula-se naturalmente o nosso património arquitectónico, baixarão os valores das rendas por se “despejarem” muitas mais casas no mercado (colocar na rua num curto prazo os inquilinos incumpridores também ajuda), e estimulará o sector da reparação e manutenção de imóveis.

Fala-se em demasia dos coitadinhos dos inquilinos. Ora o que os inquilinos têm que perceber é que tiveram uma sorte dos diabos em terem vivido grande parte da sua vida pagando o que pagaram de renda. Hipotéticos traumas de “eu sempre vivi aqui” são um mal infinitamente inferior ao mal em vigor. Por isso basta de abuso. E mais, estes actuais inquilinos são muitas das vezes aqueles que recebem pensões muito mais altas quando comparadas com aquelas que a geração mais nova irá usufruir para um mesmo montante de desconto e anos de desconto. E já nem vou à questão que ocupam por direito adquirido “empregos” tapando literalmente a passagem aos outros.

O nível de meritocracia em vigor num país é o melhor aferidor do nível de desenvolvimento do mesmo. Remover estas distorções absurdas é crucial para criar uma sociedade mais meritocrata. O tempo da inércia e do deixa andar já acabou. O jogo, como se está agora a ver, afinal é a doer. Por isso há que agir com muita rapidez. Será que em 2012 vamos tratar deste assunto?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Mais ajustamentos

Em torno de todo este longo processo de saudável ajustamento económico dos países da zona Euro surge agora mais um elemento relevante: a contínua desvalorização do Euro. Neste momento o Euro está cotado à volta de 1,30 contra o dólar e creio que continuará numa suave desvalorização. Isso em muito irá favorecer as exportações da zona euro e tornar as suas importações mais caras, o que tornará a zona euro mais robusta economicamente. Evidentemente este processo não ocorrerá em um ou dois anos. Estender-se-á muito para além desse horizonte temporal tal a natureza dos desequilíbrios existentes nos países do sul.

Para Portugal esta desvalorização é providencial, não só pela necessidade desesperada de ver aumentadas as suas exportações, mas também para diversificar o destino das mesmas, reduzindo a sua dependência da zona Euro e de Angola.

Ora no estado em que os mercados financeiros se encontram, com a sua fraca capacidade de processamento de informação relevante para o longo prazo, é fundamental que as necessidades de financiamento dos países da zona Euro não estivessem dependentes dos caprichos de quem tem provado ter extremas dificuldades de relação com análises para prazos mais longos. Correcção de défices, menos consumo interno, menos Estado na economia, mais exportações, são tudo elementos que nos fazem crer que estamos no bom caminho. E sabemos que nestas coisas de macroeconomia importa mais perceber o tipo de caminho que se trilha do que a velocidade sobre o mesmo.

sábado, 10 de dezembro de 2011

E que tal explicar aos Portugueses da importância da produtividade?

Seria bom que os nossos políticos, nomeadamente o PR e o PM, explicassem aos Portugueses a história da adesão de Portugal ao Euro, das vantagens, responsabilidades, e exigências que daí advêm. Com uma explicação lógica, destituída de politiquice de meia-tigela, os Portugueses entenderiam que jogo se está a jogar e ficariam em melhores condições de responder em conformidade. Focalizando-me unicamente na componente económica há que explicar aos Portugueses que pertencer ao Euro permitiu ter acesso a bens importados a preços muito mais baratos, e ter acesso ao crédito com muito mais facilidade em termos que preço (taxa de juro) e quantidade. Isto os Portugueses entendem muito bem porque o viveram intensamente via aumentos constantes do seu nível de consumo.

Agora falta a segunda parte, que em rigor deveria ter decorrido em paralelo com a primeira. Trata-se de ajustar o nível de produtividade ao nível da cotação da moeda e substituir actividades económicas. Este último processo está em curso e já é bem visível pois a economia já se está a virar muito mais para a exportação e substituição de importações e muito menos virada para o consumo. Mas o primeiro processo ainda está por ocorrer. A produtividade, quantidade de produção por unidade de tempo, ainda é algo que está muito longe de ser empreendido em níveis considerados transformativos (aumentos ao nível de valores da ordem de 3% ao ano no espaço de 15 anos consecutivos).

O que não produzir e o que passar a produzir é algo que a Economia por si faz razoavelmente bem, seja através da acção das possibilidades (menos crédito e menos rendimento implicam menos automóveis vendidos o que implica menos empresas para vender automóveis e consequentemente menos importações), seja através dos empresários (quem melhor escolhe as actividades a empreender; agora, as exportadoras). O problema maior é como proceder ao aumento gradual e constante da produtividade de modo a melhor potenciarmos as nossas exportações. Neste ponto seria muito bom que os Portugueses recebessem lições. Para isso precisamos de casos práticos, de professores, e de uma televisão que forneça o conteúdo sob o chapéu com o nome de “serviço público”. Um programa diário de 5 minutos antes do telejornal poderia ser uma óptima ideia para difundir um conceito muito mal compreendido e tão importante para aumentar o nível de vida dos Portugueses.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

As notícias que me deixam verdadeiramente optimistas

Segundo o DN

"As exportações portuguesas para a China mais do que duplicaram nos últimos dois anos, devendo ultrapassar os mil milhões de dólares (739,2 milhões de euros) em 2011, pela primeira vez."

E ainda segundo o DN

As vendas de automóveis ligeiros de passageiros caíram 48,8 por cento em Novembro em relação ao período homólogo e a comercialização de pesados registou um decréscimo de 58,2 por cento face ao mesmo mês do ano anterior.
Segundo dados da Associação Automóvel de Portugal (ACAP), "as vendas de automóveis ligeiros de passageiros não foram além das 9.519 unidades, o que representa uma queda de 48,8 por cento". Em termos acumulados, significa que, de Janeiro a Novembro, as vendas de automóveis ligeiros de passageiros registaram uma queda de 27,2 por cento.
Em relação aos veículos comerciais ligeiros, as vendas atingiram as 2.992 unidades em Novembro, o que representa uma diminuição de 26 por cento em relação a igual mês de 2010. Em termos acumulados, no período de Janeiro a Novembro, foram vendidos em Portugal 29.358 veículos comerciais ligeiros, o que corresponde a menos 26,4 por cento do que no período homólogo do ano anterior. Já no que diz respeito ao mercado de veículos pesados, no mês de Novembro, foram comercializados em Portugal 168 veículos pesados, o que corresponde a um decréscimo de 58,2 por cento face ao mês homólogo do ano anterior.
Em termos acumulados, nos primeiros 11 meses do ano, as vendas atingiram as 2.872 unidades, ou seja, menos 11,6 por cento do que em período homólogo de 2010.

E assim nos vamos ajustando. Há ainda outros dois enormes ajustamentos a serem feitos: a eliminação de um sem número de institutos públicos e correspondente eliminação de mais despesa pública, e tratar da conta de exploração das empresas públicas de forma a que estas deixem de se prefilar na fila do crédito. O crédito tem que ir para as empresas exportadoras e os novos desempregados têm que ir trabalhar para estas empresas. Isto é o ajustamento. Tout court

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Tempo

Os Portugueses, Portugal, os Europeus, os bancos, os mercados financeiros, os desempregados, todos eles precisam de tempo. Em épocas de grande mudança e instabilidade o tempo é o melhor estabilizador dos contínuos sobressaltos. O tempo concede a todos eles o elemento intemporal de que eles necessitam para relativizarem os dramas que percepcionam.

Assim, os Portugueses precisam do tempo para interiorizarem que ambicionaram alcançar muito mais do que aquilo que despenderam em educação formal e de que vão ter que começar a aceitar trabalhos que até agora desdenharam. Com o tempo perceberemos que existe uma relação directa entre estudo / esforço e poder de escolha sobre os trabalhos que gostaríamos de ter.

Assim, Portugal irá precisar de tempo para criar uma economia voltada para a exportação e para iniciar um ciclo de excedentes crónicos de modo a amortizar a sua dívida acumulada. Com o tempo perceberemos que teremos que viver ao nível das nossas possibilidades.

Assim, os Europeus precisam de tempo para equacionar que o seu modelo social se baseia em premissas que já há muito deixaram de se verificar. Com o tempo perceberemos que ou ajustamos os nossos direitos às novas premissas ou então rebentamos com o nosso sistema de protecção social.

Assim, o bancos precisam de tempo para paulatinamente tratarem de se desalavancar e de perceberem que a banca existe para financiar a economia e não para criar lucros fictícios baseados em processos de crescimento de consumo auto induzido. Com o tempo perceberemos que teremos que avaliar melhor a relação entre crédito e risco.

Assim, os mercados financeiros precisam de tempo para perceber que existem para servir a economia e não esta os servir a eles. Com o tempo perceberemos que temos que regular convenientemente este sector e de melhor compreender as suas limitações.

Assim, os desempregados precisam de tempo para compreender que se aceitam os trabalhos que existem e não os que se querem. Com o tempo os desempregados começarão, por força da necessidade, a aceitar os trabalhos disponíveis que existem.

Nestes últimos tempos habituámo-nos a desdenhar o tempo como factor que faz parte da mudança e como elemento influenciador do dia de amanhã. O “faça já”, “emagreça já”, “vá já”, “compre já”, incutiu nas nossas percepções que tudo tem de ter uma “solução já” na justa proporção de eficácia daquilo que visa corrigir. Assim, descurámos a terapia providencial do tempo como elemento natural dos processos de ajustamento.

Mas a realidade das coisas não se altera somente porque dela não fazemos a interpretação correcta. É bom portanto que entendamos que o tempo terá uma palavra em todo o processo. A nós resta somente forçar os mecanismos de mudança necessários e monitorizar que a tendência a imprimir não é adulterada. Monitorizemos que os bancos desalavancam, que os portugueses aceitam os trabalhos que existem, que exportamos mais e importamos menos, etc. O tempo fará o resto… e, no final, veremos que as coisas não eram tão dramáticas quanto isso.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Porquê dizer sim às obrigações europeias e o que fazer?

A zona Euro anda em polvorosa com a gestão das dívidas soberanas. Existem países com elevadas dívidas, nomeadamente os do sul, mas não só, já que temos a Bélgica e a Irlanda como belíssimos pontas de lança a representar-nos lá em cima. Evidentemente teremos que controlar a situação. Digo “teremos” porque tenho um genuíno sentimento de que se trata de um problema Europeu, nomeadamente dos países pertencentes à zona Euro. Em termos da moeda “Euro”, sobressalta-me tanto os juros da Bélgica ou Itália subirem (mercado secundário e novas emissões de dívida) para estes países como para Portugal. Simplesmente porque isso afecta o clube a que o meu país pertence. E eu não gosto que os membros do meu clube sejam fustigados, quer seja por uma questão de princípio quer seja por uma questão de interesse próprio, pois que problemas de dívida de um estado membro prejudicam os outros estados membros (ninguém questionará este facto).

Em termos monetários parece inequívoco que existe um denominador comum a todos os países da zona Euro. E esse denominador é a moeda EURO. Ora existindo um problema de sobre endividamento de muitos países desta zona impossível de ser resolvido individualmente, caberá à própria zona em si resolver o problema que se lhe coloca. A não observância deste facto implica a implosão do clube do Euro. E isso é coisa que certamente não queremos experimentar.

Como já deve ser óbvio para quase todos, a solução do problema parte de uma boa resposta política, não uma resposta financeira. Simplesmente os mercados de dívida neste momento não andam a funcionar adequadamente. É bom lembrar que um dos factores fundamentais para o funcionamento dos mercados é a possibilidade de estes terem tempo para processar a informação que vai chegando e como essa informação afecta a realidade em que opera. E dada a natureza complexa do sobre endividamento da zona Euro, do tempo necessário para a estabilização do mesmo, e da dependência política, quer particular à capacidade política de cada país, quer entre países e as instituições internacionais (CE, ECB, FMI, etc), os mercados não conseguem processar a informação que lhe vai chegando. E como tal os mercados ficam órfãos, pois ao esperarem por informação conducente a soluções, ou ela não chega, ou se chega é errante e sem direcção. E mercados deixados ao acaso são como lenha seca e pinhas empilhadas para pirómanos munidos com muito lume.

A resposta política tem que, obrigatoriamente, satisfazer as seguintes condições:

1. Eliminar o cenário de risco sistémico, ou seja, o desmembramento da zona Euro

2. Garantir o financiamento no curto prazo, e refinanciamento da dívida corrente no médio longo prazo a taxas reduzidas.

3. Garantir que os países com problemas corrijam a rota que os levou ao sobre endividamento e que iniciem o processo de amortização de dívida

4. Garantir que para a zona Euro os países com baixos níveis de dívida até à data não paguem pelos excessos dos países com excesso de dívida.

5. E por fim, embora possa parecer óbvio, explicar tudo muito bem aos Europeus

Estas condições são praticamente impossíveis de satisfazer se o mercado for chamado a regular todo o processo. Simplesmente porque as altíssimas taxas de juro em vigor minam a viabilidade deste longo processo de desendividamento .

Neste momento já existem sinais mais que suficientes para que os países receosos de serem chamados a pagar os dislates dos sobre endividados confiem na vontade política destes. Ou não serão as políticas duríssimas em curso em todos eles um sinal mais do que suficients da seriedade com que se anda a tratar a questão? E não será também a aceitação de monitorização externa por parte elementos de organismos internacionais (ECB, FMI, etc) da prossecução de planos financeiros em curso uma prova de que existem motivos para se estar confiante? E se necessário poder-se-á ir até mais além, como por exemplo confiar a gestão financeira desses países a instituições internacionais (ECB ou outra qualquer). Literalmente os países em falta passarem a ser obrigados a subcontratar o ministério das finanças ao ECB durante um período de tempo.

É bom que os países da zona Euro sem problemas orçamentais entendam que a não resolução do problema criará no médio prazo (senão no curto…) disfunções que conduzirão a uma situação com consequências muito piores quando comparadas com aquilo que de momento receiam perder pela opção de uma solução conjunta. Ainda que por acaso tivessem fundamento os seus receios, mais vale assumir agora que o erro consistiu no pecado original, a criação e sua adesão ao Euro, do que ficar a assistir passivamente a um movimento desordenado de implosão do Euro.

Parece-nos que é chegado o momento de os países sem problemas de sobre endividamento perceberem que vale a pena explorar um mecanismo conjunto de emissão de dívida que em muito ajudaria a resolver a situação sem que isso implique que existam doações forçadas para os países sobre endividados. E a emissão de Eurobonds até um certo limite pode resolver a questão.

A lógica de um plano para emissão de Eurobonds deverá constar de:

Permissas:

1. Os países da zona Euro devem caminhar para um limite máximo de endividamento de 60% do PIB

2. Os défices em função do PIB para cada país não poderão exceder a taxa de crescimento do produto e estarão sempre limitados a 3% deste. Este critério só é válido para os casos em que a dívida total seja inferior a 50% do PIB. Se assim não for não poderá existir défice.

Isto não é novo mas é conveniente estar bem visível no radar.

Lógica:

1. Os Eurobonds deverão ser emitidos até 40% do PIB dos países da zona Euro

2. Acima dessa percentagem cada país é responsável pela sua própria emissão sujeitando-se às taxas exigida pelo mercado

3. Para ambas as situações poderão os residentes particulares dos países da zona Euro concorrer às emissões do mercado de dívida

Período de transição:

O período de transição é crucial para o funcionamento do novo sistema. O processo deverá ser executado de forma gradual. Para tal, a dívida a vencer de cada país membro seria substituída inicialmente pelas Eurobonds dando tempo assim ao mercado (alguns anos) e viabilizando um processo de estabilização destes evitando assim estarem ao sabor dos ventos e inviabilizando o mecanismo dos mesmos criarem vida e dinâmicas próprias. Os Eurobonds seriam colocados inicialmente a uma taxa fixa (por exemplo, 2,5%) e o ECB serviria de sindicato comprando toda a dívida não colocada no mercado. Ou seja, o mercado primário pelo sistema de leilões não funcionaria por um período de 3 a 5 anos.

À medida que os Eurobonds atingissem os 40% do PIB de cada país já alguns anos se teriam passado e já os mercados estariam bem mais calmos. Nesta fase já seriam visíveis os efeitos dos ajustamentos em curso (austeridade, desalavancagens financeiras, etc) nos países com problemas orçamentais. Por outro lado os mercados não seriam mais brindados pela constante demonstração de desentendimento entre os membros dos países da zona Euro, o que só por si serviria de factor de confiança.

Os países sob intervenção internacional só entrariam no esquema após finda a intervenção. As intervenções só deverão ser consideradas finalizadas quando esses países apresentassem excedentes orçamentais por dois anos consecutivos (independentemente da taxa de crescimento do PIB). Paralelamente os mecanismos de controlo sobre os países intervencionados deveriam ser aumentados de modo a fornecer garantias ao processo de ajustamento global.

Passados esses 3 a 5 anos já o mercado estaria em muito melhor situação de processar a informação acumulada durante este período, nomeadamente

• Da vontade dos países periféricos procederem aos ajustamentos necessários e avaliação dos seus resultados

• Da capacidade política dos países da zona Euro na implementação de um sistema de emissão de dívida dentro dos parâmetros normais de funcionamento

• Da viabilidade da zona Euro enquanto espaço de moeda comum

Chegou o momento da zona Euro perceber que o jogo tal e qual ele decorre é muito perigoso. Uma moeda única não pode ficar ao sabor de políticas individuais dos seus constituintes e refém das consequências nefastas da inabilidade dos políticos de serviço de cada país. O que está em causa é demasiado grande. Foi doce o momento que se tem vivido desde 1998, pois colheram-se os benefícios de uma moeda única sem se sentir que isso implica a renúncia de alguma coisa. Chegou o momento de termos a humildade de aceitar o que há a renunciar e de ter a clarividência de que o saldo final é ainda muito positivo.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Salários altos só para alguns

Em 2006 o salário médio de um quadro técnico da industria (média-alta tecnologia) ganha metade do que ganha um trabalhador dos serviços de electricidade, água e gás (serviços muito cartelizados senão mesmo de monopólio, muito regulamentados pelo estado?!) e o mesmo que um trabalhador do estado ( ISIC 75-95).

Estes salários influenciam muito o nosso índice de produtividade.

Impostos Altos



Pagamos impostos muito elevados.

sábado, 26 de novembro de 2011

Bodes expiatórios

Podemos dizer mal das agências de rating, podemos dizer mal dos mercados, podemos dizer mal do capitalismo, da banca, dos ricos, dos políticos, dos especuladores, dos fundos de investimento, dos gestores, dos empresários, enfim, de todos aqueles a quem o fato de bode expiatório assenta que nem uma luva. Mas nunca nos lembrariamos destes pseudo culpados se não estivéssemos endividados até ao pescoço. O problema não é destes bodes expiatórios. O problema é que vivemos demasiado tempo consecutivo a acumular dívida. E isso tem um nome: viver acima das possibilidades. É bom que pensemos muito seriamente sobre isto e sobre todo o percurso que fizemos para chegar até aqui.

Nota: com o intuito de despertar as almas em como os perdões de dívida não vão ser nada fáceis de serem atendidos, não nos esqueçamos que muitos dos nossos credores pertencem a países onde o nível de vida é muito mais baixo do que o nosso. Assustador, não é?

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

As agências de rating servem para alguma coisa?

Ontem duas agências de rating desceram o rating de Portugal. Consta que o critério reside no facto de a previsão de crescimento do PIB ser inferior ao previsto. Ao que parece as agências de rating não andam a aprender muito com a actual crise de endividamento soberano. Aliás, como toda a gente. Isto só por si revela a dimensão do problema que temos pela frente. Como curar uma doença que não entendemos? E porque damos demasiado crédito à opinião de quem se fartou de falhar no passado.

Valerá a pena lembrar que Portugal começou a cavar a crise de sobre endividamento onde se encontra mergulhado lá pela segunda metade dos anos 80. Os governos do Sr. Cavaco Silva deram um belíssimo pontapé de saída ao iniciar o mecanismo de engorda automática da função pública. Mas foi nos governos do Sr. Guterres que a bebedeira se tornou evidente. Nesse momento cantava-se a bom som que as vozes dos que apontavam para o perigoso endividamento crescente não viam que o famoso PIB ia crescendo. O pagode, a engordar, comia o que a voz do Governo de então vociferava, e, a abarrotar agora de nova gadgeteria tecnológica, carros novos, compra de casas, e com uma bolsa a inchar devido à bolha tecnológica, achava qualquer discurso contrário à onda um mero desabafo de intelectual desencantado ou pouco receptivo à nova realidade. E para validar tudo isto lá estavam as agências de rating.

O povo andava de facto contente. Abandonara o campo e o mar, aconchegava-se num simpático escritório ou num moderno stand de venda de automóveis, piscava o olho à menina da loja do novo shopping que preterira o serviço doméstico muito menos propenso às novas oportunidades como aquelas oferecidas pelo Francisco do novo balcão do BCP ou o Luís da loja da TMN mesmo ali ao lado. Escapadelas de fim-de-semana eram agora feitas num instantinho com as novas auto-estradas. Tudo um cenário mais Europeu, mais moderno, com bom carregamento de verniz para compensar as carências de formação de base. Caramba, ser parte integrante da CEE já não era compatível com actividades como a pesca, a agricultura, o servir na casa dos senhores ou à mesa, ou ainda fazer aqueles trabalhos mais duros e menos convidativos tendo em conta os novos imperativos do reescalonamento social em curso. À semelhança do que se passara em França após a 2ª guerra com os Portugueses, esses trabalhos deveriam ser feitos agora pelos novos imigrantes de Leste, enérgicos, de sorriso de orelha a orelha, e sem pejo de pegar em qualquer trabalho. No entanto havia uma pequena diferença. Muito deles apresentavam elevada educação formal. Mas isso era tomado como uma mera curiosidade e nenhuma outra conclusão se deveria daí tirar. De resto, na política, os sinais dos novos senhores mantinham-se, e até houve quem falasse num novo astral. E na banca nem faltava o Sr. Gonçalves e outros a gabarolarem-se de lucros fabulosos e em crescendo. E acaso precisássemos de um príncipe banqueiro para mostrar lá fora sempre poderíamos avançar com o Sr. Rendeiro. A construção ia vivendo também momentos épicos, beneficiando de belos casamentos de conveniência mais ou menos obscuros entre o sector e os políticos do poder central e local (não nos esqueçamos nunca destes). Aqui, qualquer travão ao financiamento poderia ser sempre resolvido com uma PPP convidando a engenharia financeira a mostrar todo o seu poder de fogo e operar os milagres que só alguns conseguiam compreender. Conseguia até novas auto-estradas com pagamentos virtuais. Um verdadeiro idílio. E tudo com a bênção das agências de rating.

Entretanto já se iam ouvindo uns zun-zuns mais fortes. Por esta altura mais gente informada e avisada apontava para a grave questão do sobre endividamento, que o PIB já não crescia mais, que existiam fortíssimos desequilíbrios macroeconómicos, que as PPP afinal eram uma bomba relógio, que os licenciados fugiam a torto e a direito, que o mercado laboral era pouco discricionário, etc. Mas o povo não queria ouvir, tão pouco perceber. E com isso ia-se entretendo a votar ainda mal. Agora escolhia um “moderno”, de conversa fiada, manipulador, manhoso… senão mesmo bandido. Com ele o povo ia-se servindo da mentira como forma de não encarar a realidade que a voz da razão dos mais esclarecidos agora vociferava. Um prenúncio para um tremor de terra. O governo lá ia fazendo das suas, um pouco perdido aqui e acolá, com novos aeroportos que mudavam de sítio, com TGVs, novas pontes, emanando constantemente aquela confiança banha da cobra tão típica dos aldrabões, acenando com Novas Oportunidades, etc.. E por fim mentia já descaradamente e sempre com a cabeça bem enfiada na areia dizendo que não precisávamos de ajuda externa. E tudo com a bênção das agências de rating.

Agora vieram outros, casados com as instituições financeiras internacionais, avessos àqueles casamentos suspeitos com as construtoras e banca, pouco dados a deslumbramentos provincianos, com um toque impoluto de quem pouco tem que ver com o sistema montado, sem agendas pessoais, conscientes, e com uma missão ainda mal compreendida: fazer de Portugal um país viável dentro da zona euro. Agarraram-se ao acordo efectuado com os mandatários dos credores, dizendo mesmo que querem ir para além dele, e desataram a tomar medidas que aceleraram o fatal processo de ajustamento da nossa economia. Menos importações, mais exportações, menos consumo, redução (à séria) da massa salarial do sector público, cancelamento de muita obra faraónica sem aderência à realidade, e até uns vislumbres de acabar com uma panóplia de institutos que nunca ninguém percebeu bem para que servem (neste ponto esperemos por 2012…). Consequentemente o PIB irá contrair uns 3,5% em 2012. Para mim isso é bom sinal, mas parece que o não é para as agências de rating! Significará que a estrutura do produto será muito mais sólida pois terá um peso muito maior das exportações e de substituição de importações. Mil vezes esse nível de PIB com essa estrutura do que aqueloutro montado sobre o vício do consumo sem correspondente nível de produção, carregado de endividamento, de compra de carros e demais gadgeteria electrónica. Direi que estamos perante o início de um novo ciclo da nossa vida económica em Portugal. De uma economia baseada no consumo, no défice e no endividamento, para uma economia voltada toda para a exportação (não esquecer que há que pagar a dívida acumulada). E tudo sem a bênção das agências de rating.

Ora parece ser chegado o momento de perceber o papel dessas agências, relativizar a sua importância, e perceber um pouco que nem sempre os mercados financeiros estão em condições de funcionar com normalidade, sobretudo quando são chamados a avaliar prazos muito longos.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

A realidade chegou ao sector público

O Governo de Portugal anda a tratar das finanças e da credibilidade externa. Louvável, desejável, imprescindível e obrigatório. Este orçamento para 2012 ataca onde é possível atacar no curto prazo: no volume da massa salarial dos funcionários públicos. Para o ano esperamos eliminar todos aqueles institutos públicos que mais não são do que excrescências sebáceas do nosso tecido económico. Mas isso demora tempo a analisar e a resposta a dar neste momento é de curto prazo.

Mas este corte do 13º e 14º mês tem muito mais vantagens do que um mero corte da despesa. Tem o mérito de colocar os funcionários públicos em sentido face ao que produzem e de colocar Portugal e os Portugueses face à realidade, que mais não é do que se ter andado a consumir muito mais do que se produzia durante demasiado tempo consecutivo e com isso se ter vivido no mundo da ilusão. Mas tem ainda um outro mérito, ainda não visível, mas que será muito importante na próxima etapa. É forçar os funcionários públicos a desejarem ardentemente a adopção de mecanismos que promovam a discriminação positiva. Ou seja, trata-se de organizacionalmente criar mecanismos de pressão interna que viabilize expelir os incompetentes em prol do bem-estar e progressão dos competentes. É bom que por todas as repartições deste país os funcionários públicos competentes comecem a olhar de lado os funcionários públicos incompetentes e discriminarem-nos. Os incompetentes têm que ser despedidos de modo a se poder remunerar devidamente os competentes.

Mas para além destes despedimentos, há ainda que colocar os competentes a prestarem os serviços de que a sociedade necessita e para os quais está disposta a pagar impostos. Por exemplo, existirão dúvidas de que todos queremos polícia mais bem equipada, formada, e mais bem remunerada?

Por fim há também que rever os processos em vigor na prestação de serviços. Nada pior que colocar pessoas competentes a produzirem serviços através de processos errados (e obviamente mais caros). É fundamental trabalhar este ponto e criar com isso mais excedentários.

O exposto implica muita drenagem de pessoas para o desemprego. Isso é tão verdadeiro quanto necessário. Há então que colocar a pergunta: e quem é que vai empregar todos esses excedentários? A resposta é: o sector exportador e a nossa capacidade de emigração. Somente o sector exportador da nossa economia e a nossa capacidade de emigração podem resolver o problema do “necessário” desemprego futuro. Não há maneira de dar a volta ao assunto por mais que exercitemos o nosso raciocínio.

Ao governo compete a criar todas as condições ao seu alcance que potenciem as nossas exportações. Aos empresários do sector exportador compete fazer o resto. Aos desempregados compete perceber que nas actuais condições há que aceitar os trabalhos que existem e não os que se querem. Aos novos emigrantes deseja-se que sintam que irá valer a pena voltar a Portugal.

A realidade chegou ao sector público. Parte do sector privado sempre viveu com ela, nomeadamente o sector exportador e todo aquele que sempre dependeu pouco do orçamento de estado e das benesses do poder central e local. Agora a realidade resolveu abranger também o sector protegido, glutão e maroto da nossa economia porque o endividamento crescente que ia encobrindo a realidade ultrapassou em muito o limite permitido pelos credores. Pior, estes andam a proceder a reavaliações desse limite e a cobrar mais pelo refinanciamento da dívida existente.

Todo este fenómeno irá ter grandes impactos na nossa sociologia. Serão interessantes os próximos tempos para avaliar a fibra do nosso povo. Será que iremos definhar numa torpeza típica de alma torpe que se desenvolveu numa funesta repartição? Ou iremos descobrir a intrepidez de que somos feitos e demonstrar a este mundo que nos movimentamos bem em ambientes conturbados? Tem para mim que ambas as situações se verificarão. Curioso contar as espingardas de um lado e do doutro.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Acabar com feriados!

Errado. O problema de produtividade em Portugal quando comparado com os nossos países de referência não se resolve desta forma. Temos que produzir mais utilizando a mesma quantidade de tempo, e não disponibilizando mais tempo para trabalhar. O tempo não é elástico e é limitado a 24 horas por dia. Compete-nos a nós render mais nas 8 horas de trabalho diário ou nas 40 horas semanais. Aliás, o exemplo deverá vir de cima. Ver ministros e secretários de estado a trabalharem 60 ou mais horas por semana só emite sinais contrários.

E quando os países com quem competimos aumentarem "naturalmente" a sua produtividade o que faremos? Reduzimos mais feriados? Trabalharemos um ou outro fim de semana? A nossa intuição dirá claramente que esta não é a fórmula. E já nem se fala no quanto ela prejudica as relações familiares e a apetência para ter mais filhos. Ou seja, os sinais emitidos só contribuem para acentuar o nosso maior problema do futuro: o suicídio demográfico em curso.

Seria bom vermos ministros e secretários de estado preocupados com aquilo que os Portugueses andam a fazer no tempo em que se encontram a trabalhar. Esta é a verdadeira questão.

Por fim os feriados, católicos ou não, têm razões culturais associadas. E isto deverá ser também considerado pois faz parte da nossa constituição enquanto povo. Tenho todas as reservas de que uma má medida para aumentar a nossa capacidade de produção e que seja conflictuosa com a nossa cultura dê frutos positivos. Mas de más decisões já nós estamos habituados. Resta saber quando é que esta incontinência acaba.


quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Só falta apontar claramente um rumo de esperança

Felizmente este governo anda a pôr o dedo em algumas das nossas feridas. A apetência para um produzir um discurso falacioso, mentiroso, ilusório, e de um facilitismo absurdo não tem sido a característica deste governo. Os Portugueses interiorizaram já que existe uma grave crise de sobre endividamento e constantes deficits, e que vão ter que a pagar. Pelo inevitável caminho duro do ajustamento vão ficar marcas de muita injustiça, como por exemplo a redução da massa salarial dos funcionários públicos sem olhar ao critério do mérito. Esta massa salarial terá que baixar uns 15%, mas preferiria que quem produz mais não fosse afectado. Mas compreendo que devido a não se poder despedir, ou o despedimento ficar demasiado caro, se opte por esta fórmula de efeitos imediatos. Mil vezes preferível do que aumentar os impostos (nomeadamente, o IRS).

Sabendo agora que a economia vai ter que ajustar pela via da redução das importações e do consumo público e privado, resta ao governo fazer tudo o que estiver ao seu alcance para dinamizar tudo o que respeite as exportações. A política de manutenção do IVA para o vinho revelou-se sábia pelos argumentos apresentados. Isso só por si denuncia muita sensibilidade para a importância das exportações. Mas falta catalisar toda a sociedade para as exportações. Esse sentido ainda não está apreendido, e muito menos interiorizado. É só por aí que poderemos vencer, e consequentemente ter esperanças de vir a ter esperança. Está na hora de equacionarmos uma grande redução do IRS por contrapartida do aumento do imposto automóvel, do IVA do escalão mais alto, e do imposto de circulação automóvel para se realizar alguma desvalorização interna e para valorizar o trabalho e poupança em detrimento do consumo. Este é o rumo para a esperança.

domingo, 30 de outubro de 2011

Resolve muito pouco no curtíssimo prazo e perturba bastante no longo prazo

O tempo de trabalho a mais que o governo quer implementar no nosso mundo de trabalho pouco resolve o nosso maior problema nacional: a baixa produtividade do trabalho. Não que trabalhar mais horas prejudique o trabalho nas empresas no curto prazo. Parece evidente que isso é benéfico. Mas não é a solução do problema da falta de produtividade (quantidade de trabalho produzido por unidade de tempo). Temos é que produzir o mesmo trabalhando menos horas. Essa é a uma das principais formas de a sociedade libertar recursos para poder produzir mais.

Mas tem mais. Trabalhar mais horas é contra procedente para a felicidade individual, familiar e social. E em muito prejudica a apetência para o crescimento da taxa de natalidade, verdadeira bomba relógio que andamos por cá a construir.

E por fim temos a questão eterna de emissão do sinal errado. Não é uma aproximação inteligente do problema. Esta é uma visão um pouco mais complexa do problema, não tão fácil de interiorizar como algo que pode profundamente moldar uma sociedade. Lembro que na Holanda sai quase tudo às 16h30 (sector privado incluido), é a população menos stressada da Europa, e são dos mais desenvolvidos.

Temos que dar outros sinais no nosso mundo do trabalho. Seria óptimo ver o ministro da economia sair pelas 17h00 e dizer em frente às câmaras de televisão que o trabalho do dia já estava feito.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Bons sinais

QUARTA-FEIRA, 3 DE AGOSTO DE 2011

O Ministro da Economia adiantou hoje que daqui a uns meses irá lançar um programa para atrair reformados abastados da nossa Europa para virem para cá viver. Folgo em detectar que existe sensibilidade para soluções insólitas. Espero que a dita campanha seja ambiciosa e que pense em grande. Trazer 20.000 reformados é coisa pouca. Espero que se pense em números da ordem dos 200.000 se pensarmos só em reformados.

No pressuposto de que este programa resulta, é bom salientar que existem muitos projectos turísticos a ele associados e que estão “encalhados” devido à crise imobiliária e que seria bom que os mesmos andassem para a frente. A economia agradecia.

Muito se diz acerca da pouca experiência do Ministro da Economia. Pois eu tenho muita esperança. O burgo anda cheio de pessoas a abarrotar de experiência na arte de “saber fazer as coisas” e muito falho de imaginação e livre pensamento. Ora o insólito e o arrojo dão-se melhor com alguma ingenuidade quando esta surge associada a sólidos conhecimentos, e não floresce quando existem condicionalismos ditados por grupos de interesse ou ideias pré concebidas.

Disse ainda o ministro Álvaro «A médio prazo, em cinco anos, a ambição deve exportar 50 por cento do Produto Interno Bruto. Daqui a 20 anos Portugal deve ter a ambição de exportar 70 por cento do PIB». Ora isto é o tipo de conversa que passa os sinais necessários à economia. Já não era sem tempo. Finalmente temos um responsável político em exercício e com poder (espera-se) que percebe que, para além de precisarmos de ter uma economia equilibrada ao nível macro económico, temos ainda que compensar no futuro os dislates dos últimos 25 anos e o consequente rol de dívida acumulada. Não é preciso ter muita experiência para ver isto. É só preciso ter a vontade de o ver, de o interiorizar, e de livremente o veicular na certeza de que as políticas deverão subjugar-se aos méritos de verdadeiras soluções e não à sujeição das vontades dos grupos de interesse.

Liquidez para a economia

DOMINGO, 31 DE JULHO DE 2011

Seguindo as “dicas” dos banqueiros para se esquivarem ao aumento de capital dos bancos que governam, acharia muito interessante seguir essas dicas no que toca ao Estado pagar o que deve, quer aos bancos, quer nas facturas em atraso. Isso muito positivamente se reflectiria em toda a economia, oferecendo-lhe a liquidez que a mesma precisa desesperadamente. Sossegava directamente a banca e as empresas possuidoras dos créditos. E aliviava também a relação entre essas empresas e a banca (a correspondente necessidade de financiamento dessas empresas), e dessas empresas com todos os seus parceiros económicos a jusante. Diria que ocorreria um tsunami positivo ao nível da liquidez de toda a economia.

Sim, o Estado não tem dinheiro para isso. Claramente poderá ser pedido à troika que reflicta sobre o assunto de modo a abrir uma linha especial de crédito para o efeito. E talvez até seja possível dada a vontade da Troika ter um caso de sucesso na gestão da crise orçamental em curso nos países ocidentais. Para isso há que cumprir escrupulosamente com os termos do acordo, onde, convém lembrar, estão previstos aumentos de capital para a banca.

Furar o acordo com a troika!!!

DOMINGO, 31 DE JULHO DE 2011

Dizem os nossos principais banqueiros que há que rever o acordo firmado com a troika no que respeita à política a seguir para os bancos.

Ora parece-me muito inoportuno pretender furar o dito acordo, nomeadamente por pessoas que têm muita responsabilidade em Portugal. Não fica nada bem depois de garantir a vinda de 78 mil milhões (ainda que por empréstimo) tentar mudar os termos que serviram de base para esse envio. Nomeadamente quando os descontentes de momento estiveram entre os contentes na altura em que o acordo se firmou. Desconfio que serão pessoas que seguramente se gabarão de “saber fazer as coisas”, essa especialidade nacional.

Isto de ter de aumentar o capital dos bancos para compor rácios de solvabilidade não é coisa que os banqueiros tenham muita vontade de pedir aos accionistas nesta fase da vida económica e financeira de Portugal. Percebe-se… da mesma forma que se perceberá que um funcionário público não irá gostar de ver o “seu” instituto extinto. Mas não há nada a fazer. Há que cumprir com o acordo. Ponto final.

Os banqueiros até podem ter os seus argumentos. Mas há dois argumentos poderosíssimos que têm sempre que se sobrepor. O primeiro é que não se podem começar a abrir precedentes ao pretender mudar o acordo com a troika. O segundo é que a banca tem que dar o exemplo de capitalização adequada, ainda que isso implique que seja para “credor ver”. Como já aqui disse (e desde há muito), Portugal perdeu provisoriamente grande parte da sua independência devido às suas dívidas gigantescas, seja a pública, a privada, ou a empresarial. E a banca não foi de forma nenhuma uma parte alheia de todo este processo. Por isso colhe agora também aquilo que semeou.

Mais uma vez…

DOMINGO, 31 DE JULHO DE 2011

…fui atendido à mesa de alguns restaurantes da Costa Alentejana por Ucranianos, e desta vez até por uma alemã (residente por cá há alguns anos). Todos sorridentes. Não percebo ainda se alguns dos Portugueses indispostos para essas tarefas ainda o estão? Se já não é bom lembrarem-se que mostrarem os dentes com sinceridade é fundamental, pois andar com ares de “toda a gente lhes deve e ninguém lhes paga” não tem futuro mesmo que a 500 euros por mês.

O presente e o futuro próximo vão precipitar muitas decisões que em muito irão moldar a economia para as próximas décadas. Já vou notando que cada vez mais as pessoas andam a cair em si, o que é um óptimo tónico para as introspecções individuais em curso.

Desejo a todos os Portugueses que tomem as decisões que têm que tomar e que não se preocupem muito com estigmas e preconceitos do passado. É que a economia do futuro vai ter de ser bem diferente do que foi a economia de 1986 até agora. Quem não perceber isto vai-se dar muito mal até ao fim da vida.

Nomeações políticas!!!!

DOMINGO, 31 DE JULHO DE 2011

A Caixa Geral de Depósitos viu serem nomeados os senhores Nuno Fernandes Tomás e António Nogueira Leite para a sua administração. Sem desprimor pelas personagens, não posso deixar de me sentir indignado pelo modelo das nomeações políticas. Estes cargos devem seguir inequivocamente o modelo de competências, que provavelmente os próprios até podem possuir, e independência política, que os mesmos por natureza não possuem de forma alguma.

É disto que Portugal não precisa. Será isto complicado de compreender?

Experiências sobre despedimentos e segurança no trabalho (3)

DOMINGO, 31 DE JULHO DE 2011

Corria o ano de 2006 quando experimentei o sabor de ser chamado para ser despedido num projecto na Holanda. Bem me lembro de ter ficado revoltado, não tanto pela decisão em si, mas por saber que de entre os quatro consultores a disputar os três lugares existentes eu era o mais bem preparado tecnicamente. Dois dos outros três consultores vinham de uma implementação já efectuada o que parece ter pesado na decisão. Por outro lado, o terceiro, por uma razão misteriosa, tinha um poder informal muito grande no cliente. Esse poder era inversamente proporcional à sua competência, que era, digamos, demasiado pequena.

Em paralelo, um dos outros dois consultores estava em negociações para sair do projecto (insatisfação com o mesmo), o que me daria possibilidades de lá continuar no caso de a sua saída ser anunciada antes da decisão de me convidarem a sair. Aconteceu que o consultor que queria sair pretendia, paralelamente, que eu ficasse de modo a compensar a incompetência do incompetente. Mas eu ia-lhe dizendo que nesse caso somente ficaria se fosse aumentado pois considerava uma desfeita o critério utilizado, pelo que, e embora lhe respeitasse o interesse para com o projecto, não podia responder por mim aos seus receios.

Cronologicamente ocorreram os seguintes factos:

1. Um dia fui chamado a uma sala onde me foi dito que já não contavam comigo até ao final do projecto. Aí tive a oportunidade de dizer que de todos era o mais bem preparado para entregar o projecto.

2. Uma semana depois o tal consultor apresentou a sua demissão pedindo-me que eu ficasse no caso de a chefia de projecto pretender reverter a sua decisão de me dispensarem. Disse-lhe que ficaria no projecto se as minhas novas condições fossem aceites.

3. Imediatamente a seguir o chefe de projecto veio ter comigo a dizer que afinal me queria e que eu não me podia ir embora. Nesse momento apresentei as minhas novas condições, o que para meu contentamento foi aceite. Disse ainda que o facto que me fazia ficar no projecto residia no facto de querer acabar o que começara, e disse também que se apresentava novas condições tal prendia-se com o facto de sentir necessidade de refazer a minha abalada auto estima.

Uns meses depois, no final do projecto, indaguei junto do chefe de projecto o motivo da minha escolha como sendo o consultor a ser dispensado. O chefe de projecto disse-me que, embora já soubesse que eu estava muito mais bem preparado que o tal incompetente, o mesmo tinha uma grande influência junto do cliente, e que isso fora fundamental para a sua decisão, ainda que confessasse que se fosse hoje teria tomado outra decisão (aconteceu que esse consultor trouxe bastantes problemas). E que ele próprio me recomendaria para futuros projectos (curiosamente isso voltou a acontecer para um projecto na Suiça).

Das lições que aprendi retive as seguintes: Nem sempre a competência é tida em consideração. Pelo menos na área das tecnologias de informação onde os clientes, por deficiente conhecimento, não detêm muitas ferramentas de aferir quais os mais capazes (ainda que nem sempre a competência técnica seja tudo). Por outro lado aprendi que a franqueza nos julgamentos sobre nós, os outros, e um dado cenário é recompensadora a prazo. E aprendi ainda que perante um volte face negocial é compensador manter o mesmo discurso, manter o comprometimento com o inicialmente acordado (no caso, levar o projecto até ao fim), e ainda manter muita frieza e calculismo.

Experiências sobre despedimentos e segurança no trabalho (2)

QUINTA-FEIRA, 30 DE JUNHO DE 2011

No ano de 2005 resolvi ingressar numa das grandes consultoras internacionais pois surgira uma boa oportunidade para um determinado projecto. O departamento onde eu me inseria era no entanto pequeno, quer comparando a mesma unidade de negócio com outras empresas, quer comparando com as outras unidades de negócio da dita consultora. O meu grupo de amigos ao tomar conhecimento ia enaltecendo o feito afirmando que a tal consultora era uma empresa “sólida” onde potencialmente eu poderia fazer “carreira” e ter alguma “segurança” no futuro. Cedo compreendi que era mais o nome e a fama que fundamentavam aqueles juízos, ou seja, a arquitectura mental em vigor conseguia vislumbrar futuro naquilo que culturalmente herdámos como verdadeiro. Ainda expliquei que não estava nada seguro nos votos que iam confiando à minha decisão. No mínimo o que esses votos sustentavam em nada coincidiam com o que me fizera tomar a opção.

Sete meses mais tarde resolvi sair da dita consultora e abraçar a carreira de free-lancer no estrangeiro. Socialmente ainda ouvi uns zuns-zuns de que talvez não fosse boa opção sair de uma empresa tão “sólida”. Soube que um ano mais tarde a dita consultora desfez-se da unidade de negócio onde eu estivera por falta de vocação. A dita “solidez” esfumou-se num ápice e a suposta "segurança" afinal não o era.

A grande lição que aprendi é que a segurança não se adquire por convicções ditadas pela história e que pode não morar numa empresa / departamento para sempre. A segurança adquire-se por estarmos conscientes de qual a melhor opção num determinado momento perante determinadas circunstâncias e da capacidade e coragem de tomada de decisões. E aprendi também que o que herdámos como verdadeiro, e que fora cimentado durante décadas, pode não funcionar nos dias de hoje. Isso tem implicações ao nível da capacidade de discernimento e de como pode ser útil possuirmos o estofo de ir contra aquilo que é considerado uma verdade universal.

Experiências sobre despedimentos e segurança no trabalho (1)

QUARTA-FEIRA, 29 DE JUNHO DE 2011

Corria o ido ano de 2002 quando vivi pela primeira vez, na empresa onde trabalhava na altura, um ambiente de redução de número de colaboradores. Na primeira vaga de despedimentos, 12 pessoas para um total de 200, o critério foi razoavelmente fácil de seguir. Foram despedidos aqueles que efectivamente tinham menos jeito para a “modalidade” e/ou tinham provado no passado serem de difícil trato nas relações de trabalho. Lembro-me de, entre o grupo onde me inseria, não existir receio por parte de qualquer um dos membros. E assim ocorreu um processo de despedimento pacífico. O facto mais positivo é que foi passada a mensagem do porquê das escolhas e de que as mesmas foram aceites como válidas pelos escolhidos.

Ainda em 2002 (ou já em 2003, não me recordo), ocorreu a segunda vaga de despedimentos. Aqui a coisa fiou mais fino. Foi, ao que me recordo, veiculada uma redução de 30 pessoas para um universo de 190. Pela dimensão, lembro-me de ter ficado inquietado, sendo aliás o sentimento generalizado. Todos colocávamos a hipótese de sermos escolhidos. E, com fundamento, percebíamos que desta vez as cunhas iriam funcionar. No meu grupo ninguém tinha cunhas, mas comentávamos sobre quem as teria e de como seria interessante observar os critérios de escolha. Recordo-me de sair do trabalho preocupado se seria eu um dos escolhidos, embora secretamente soubesse que as minhas possibilidades eram boas por possuir conhecimentos numa determinada área que mais ninguém possuía. Facto que se confirmou. Essa foi uma bela lição para mim, o quão importante é estarmos protegidos por uma boa escolha de competências.

Nesta segunda vaga de despedimentos, retive duas experiências. Uma de que as cunhas funcionam na prática e de que existe mais apetência por despedir soldados que os ocupantes da gestão intermédia (dada a natureza desta actividade os soldados estão ao mesmo nível, ou ainda acima, da gestão intermédia; mais ou menos como os futebolistas podem estar acima dos directores desportivos). Enfim, nada de novo.

A segunda experiência foi ter observado a reacção de uma pessoa a quem momentos antes tomou a notícia de que fora despedido. Ao entrar na zona do café o “pobre” só dizia: eles enganaram-se, eles enganaram-se. Em atitude fraternal, e quiçá até cristã, esforcei-me por atenuar a suposta dor do despedido. O despedido então olhou para mim como quem sabe algo que eu não sabia e diz: tu não estás a perceber, eles enganaram-se. Arrumei a fraternidade e o cristianismo por momentos e perguntei racionalmente sobre os fundamentos do suposto queixoso. Ele disse-me com um ar frio e divertido: vão-me pagar uma “pipa” de indemnização; estou cá a trabalhar há 15 anos pois comecei como estafeta ainda muito novo (vim posteriormente a saber que entretanto tirara o curso e evoluíra como consultor); e mais, até tenho tido convites apesar da crise. Vim a saber que a administração de facto enganara-se e que quisera voltar atrás com o despedimento. Ele não quis, ficou com a belíssima indemnização, e 15 dias depois estava noutra empresa a ganhar mais. E soube também que ele era um excelente profissional e um óptimo colega de trabalho. A lição que aprendi é que é bom ter uma rede que viabilize sair de um lado e entrar de imediato noutro, e que não há nada como ser bom no que se faz pois isso aumenta as nossas possibilidades de nos manter a “nadar” em momentos mais turbulentos (confirmei pessoalmente esta lição em 2009).

A missão

TERÇA-FEIRA, 28 DE JUNHO DE 2011

Não foi explicitada e existirá até o receio de abordá-la. Nem todos os membros do Governo sabem qual ela é, e tão pouco se percebe se o novo capitão do barco está 100% ciente dela.

A missão do XIX Governo de Portugal é tornar Portugal um país viável dentro da zona euro.

Muito mais do que um Memorando

QUINTA-FEIRA, 23 DE JUNHO DE 2011

O Memorando assinado com a troika é um instrumento técnico que visa corrigir gravíssimos desequilíbrios macroeconómicos. É fulcral para Portugal cumpri-lo à risca ou mesmo superá-lo em termos de metas.

Há num entanto um efeito colateral muito positivo se cumprirmos ou superarmos o acordo. É a imagem do país. Portugal irá estar no centro das atenções mundiais. Será falado e aparecerá em todas as notícias no estrangeiro. Nunca se falará tanto de Portugal neste mundo como a partir de agora. Importa por isso capitalizar esta propaganda grátis a que iremos estar sujeitos. Se vencermos esta longa etapa, e eu acredito genuinamente que a iremos vencer, veremos as nossas exportações crescerem decorrente de um misto de simpatia do dever cumprido e por passarmos uma imagem de competência e rigor.

Outro aspecto a ter em conta é que passaremos a ser considerados como o país modelo a seguir para quem se seguir na lista de ajuda externa. E isso colocar-nos-á em situação de conselheiros o que em muito poderá ser útil para o aumento da auto-estima.

Por fim este sucesso servirá para nos injectar uma dose de confiança (real, não a da banha da cobra que nos anos recentes nos quiseram vender) de que a gerações que se seguem necessitarão em maior dose.

Há portanto que tirar o maior proveito possível das circunstâncias e fazê-las jogar a nosso favor. Está nas nossas mãos.

O suicídio demográfico

DOMINGO, 19 DE JUNHO DE 2011

Segundo o Correio da Manhã

“De acordo com os primeiros dados, provisórios, do Censos 2011, a 25 de Abril estavam recenseados 10,202 milhões, um número abaixo da estimativa de 31 de Dezembro de 2010: 10,637 milhões.”

O tsunami demográfico está cada vez mais a aproximar-se e a fazer sentir os seus efeitos. Não é só a taxa de fertilidade que é miserável em Portugal (cerca de 1,3), longe de nos garantir a renovação da população (2,05). O saldo migratório já é negativo, sendo que se espera a saída de muitos mais Portugueses devido à crise e ao retorno esperado de muitos imigrantes aos seus países de origem. Ou seja, estamos em pleno suicídio demográfico.

Em rigor pouco se sabe o que fazer exactamente para inverter esta tendência suicidária. Os saldos migratórios decorrem de macro tendências ditadas pela envolvente económica e financeira. Os dados estão lançados nesta matéria para os próximos 20 anos e implicam um saldo migratório muito negativo. A taxa de fecundidade, a um nível miserável, não dá sinais de inversão tal a elevada apetência de não ter mais do que 1 ou 2 filhos, e não parece que a causa resida somente em “políticas” de família, ou a falta delas. Ao que se sabe na história do homem nunca houve necessidade de promover políticas de família para estimular o crescimento demográfico. Ele surgia por si.

É mergulhado nesta tendência que Portugal se vai ter que habituar a viver. Duas coisas já se sabem. Uma é que teremos de ter crescimentos de produtividade acentuados se queremos manter o mesmo nível de vida (sem contar com o pagamento da dívida acumulada). A outra é que nos teremos de preparar psicologicamente para o novo quadro de distribuição etária que será mais visível daqui a 15 anos. Não é o fim do mundo, mas é bom que nos preparemos.

Big Mac Index, produtividade e maiores retribuições

SEGUNDA-FEIRA, 13 DE JUNHO DE 2011

Existe neste mundo uma coisa chamada Big Mac Index e que trata de comparar o custo de vida em diferentes países quando tomado em linha de conta um produto estandardizado comercializado em todos eles. Segundo a Wikipédia “O Índice Big Mac, oficialmente Big Mac Index, é um índice calculado sobre o preço do Big Mac em mais de 100 países, tendo como objectivo medir o grau de sobre- ou subvalorização de uma divisa em relação ao dólar americano, comparando os preços do hamburger Big Mac nos Estados Unidos com o preço do Big Mac do país no qual se pretende comparar a moeda. O princípio é que os procedimentos operacionais da cadeia de fast food McDonald's são os mesmo em todos os países em operação, inclusive a margem de contribuição por produto”.

Não é minha intenção discorrer sobre este índice. Mas o mesmo sugeriu-me que há algumas subtilezas relativamente à produtividade que podem ser curiosas. E a que mais me interessa é que, de todos os restaurantes desta cadeia que conheço Alemanha, Holanda, Suiça, e, obviamente, Portugal, de todos o que tem o serviço mais eficiente é, sem sombra de dúvidas, os de Portugal. O serviço é eficientíssimo e muito bom. Não sei aferir do nível de qualificação do pessoal de frente de loja em todos estes países, mas parece-me existir alguma homogeneidade, aliás, como em tudo, ou quase tudo, no Mc Donalds (sem desprimor). No entanto, a remuneração em Portugal será muito inferior (seguramente) à obtida em todos esses países, o que me faz crer que nem sempre a economia é perfeita. Ou seja, temos trabalhadores muito mais eficientes a ganharem muito menos. E isto poderá espantar tanto mais quanto maior for o preconceito do emissor do juízo no que respeita à cor da pele (não é o meu caso).

Poderei ser convidado a concluir o seguinte:

1. A este nível de pessoal com elevada rotação as diferenças de produtividade não são compensadas devidamente devido ao facto de a elevada rotação não viabilizar mobilidade de um país para o outro, transferindo assim os trabalhadores de maior produtividade para os países com melhor retribuição salarial

2. A mobilidade na CEE é ainda muito relativa e muito dependente da língua. Atender clientes na frente de loja tem que se lhe diga no que respeita à língua local.

3. Os Portugueses quando bem geridos atingem níveis de rendimento notáveis

Há ainda algo de mais profundo que gera alguma revolta. Pelo facto de a nossa economia ser “torta” e não premiar, como seria suposto, a meritocracia, existem demasiadas pessoas que são penalizadas economicamente por esse facto. E provavelmente a maioria dessas pessoas encontra-se a efectuar serviços de frente de loja como a Mc Donalds, ou ainda call centers (o serviço em Portugal é, genericamente, excelente).

Quando a nossa economia se lembrar que não vai a lado nenhum neste modelo de endividamento para o consumo e acumular de dívida pública, e que somente arrancará consistentemente quando se lembrar de exportar muito, muito, muitíssimo mais, então talvez um dia todas essas pessoas de frente de loja com elevada produtividade possam ter outras retribuições. E então nesse momento teremos uma relação bem mais saudável com a economia.

Algumas reflexões sobre os resultados eleitorais

TERÇA-FEIRA, 7 DE JUNHO DE 2011

1. A fórmula de José Sócrates não funcionou. E penso não mais funcionará à medida que os Portugueses forem percebendo o que se passou em Portugal nos últimos 25 anos e de como os últimos 6 anos o protagonista levou tudo a um extremo impensável.

2. A serenidade e a ponderação parecem ser a fórmula do futuro. Quer Sócrates, quer Louçã, têm relações complicadas com estes conceitos. O primeiro por défice de formação, o segundo por viver numa ilusão.

3. O voto útil funcionou. Se não funcionasse seria mais que provável que o CDS tivesse uns 14% ou 15%. O voto útil é mau para a democracia. Deveria ser líquido que o partido mais votado não seja necessariamente aquele que deve governar. As maiorias de coligação têm legitimidade para governar ainda que nenhum dos partidos que a forme obtenha o maior número de votos. Isso facilitaria a escolha de voto dos cidadãos. O acto de votar deve ser um acto de desinibição.

4. O culto do dever (CDS) ganhou ao culto do direito (BE). Portugal vai entrar numa via de produção e de parqueamento do consumo devido à imperativa reposição dos equilíbrios macroeconómicos mínimos entre produção e consumo. Sem falar na compensação que é necessário fazer sobre os dislates acumulados durante os últimos 25 anos. O CDS corporiza esses valores, e por isso tem o tempo a seu favor.

5. O centrão continua a aglutinar a maioria dos votos. 66,7% é muito socialismo. O CDS tem a obrigação de romper esta realidade no futuro, não só ir buscando votos ao PSD, como ao PS. Portugal precisa de mais uma alternativa.

6. Os Portugueses estão preparados para enfrentar o futuro e as exigências que aí vêm. Nenhum dos partidos que apresentavam facilidades, CDU, BE, e PCTP-MRPP, teve votações que expressassem uma acérrima resistência ao acordo assinado com a troika.

Os temas políticos do futuro

SEGUNDA-FEIRA, 6 DE JUNHO DE 2011

O tema político do presente irá passar pela implementação do acordo firmado com as instituições internacionais. Isso ocupará os próximos 4 anos, no mínimo. E basicamente resultou em não termos observado a questão de não se puder viver demasiadamente acima das possibilidades durante tanto tempo seguido, de que resultou uma completa ilusão do mundo e de como Portugal e os Portugueses nele se devem integrar.

Protegidos por um acordo firmado com o apoio dos partidos que representam 89,6% dos deputados eleitos, com o apoio do Presidente da República, e com o apoio das instituições internacionais das quais somos parte integrante, temos todas as condições instrumentais para cumprir com as nossas obrigações. Temos assim espaço para agora começar a cuidar das questões políticas do futuro de Portugal. E essas podem ser consideradas as seguintes:

1. A questão do suicídio demográfico em curso, resultado quer da baixa taxa de natalidade, quer através da continuada nova vaga de emigração. O efeito combinado destes dois elementos, nomeadamente o primeiro, condicionará Portugal nos próximos 50 anos. Este é o principal tema político do futuro.

2. Responsabilidade individual e colectiva de como viver em sociedade numa relação saudável entre deveres e direitos.

3. Competitividade de Portugal neste mundo global, não só ao nível da economia, mas também a todos os outros níveis de intervenção.

4. Converter os 70% da população com a mentalidade de repartição para uma mentalidade empreendedora e virada para o desafio.

5. Converter Portugal para uma sociedade totalmente meritocrata e voltada para a produção

6. Independência da função pública relativamente aos partidos políticos e contratação para a mesma de quadros estrangeiros para a gestão de topo.

7. Da independência do poder local relativamente aos partidos políticos.

8. Da organização dos partidos políticos e da forma como os mesmos devem promover lideranças e todo o debate a ele associado.

9. Atrair de 250.000 a 500.000 estrangeiros com elevado rendimento para residirem em Portugal.

10. Redução drástica da dependência energética e alimentar.

Estes são os principais temas que devem estar na linha da frente do debate político. Tudo aquilo que os partidos políticos historicamente tentam esconder devido à presunção de que o povo não pode ser assustado com más notícias deve ser confiado à função pública. O recente memorando assinado com as instituições internacionais tem carácter instrumental e pode, e deve, ser executado tecnicamente. Ao Governo e à Assembleia competirá a monitorização do cumprimento do acordo firmado. Mas somente ao Governo deverá caber a concepção de estratégias para Portugal. Essa é a sua função, e os temas acima indicados são uma boa base de começo.

Saber reconhecer os problemas a tempo e saber comunicá-los

DOMINGO, 5 DE JUNHO DE 2011

A Europa não se tem demonstrado exemplar em comunicar os seus problemas com os seus cidadãos. Senão atentemos ao artigo que hoje vem publicado no jornal Público.

Estudo indica queEuropeus do Sul trabalham mais do que os Alemães


Os europeus do Sul trabalham muito mais e por vezes durante mais tempo do que os alemães, refere um estudo que contraria as recentes declarações da chanceler alemã sobre um eventual laxismo social em Portugal, Espanha ou Grécia.


Os alemães trabalham muito menos [por ano e durante a vida activa] que os europeus do Sul. E também não trabalham de forma tão intensiva”, assegura Patrick Artus, chefe da secção de economia do banco francês Natixis e o redactor deste estudo, que se baseia designadamente nos números da ODCE e Eurostat.


A duração anual média do trabalho de um alemão (1390 horas) é assim muito inferior à de um grego (2119 horas), de um italiano (1773 horas), de um português (1719 horas), de um espanhol (1654 horas) ou de um francês (1554 horas), referem as estatísticas publicadas em 2010 pela OCDE.


“O resultado da produtividade individual da Alemanha está na média dos países do Sul, a da produtividade horária está acima da média mas não é melhor que a da França ou Grécia”, precisa o Natixis.


A idade legal para a reforma na Alemanha (65 anos actualmente, 67 no futuro) é mais tardia, mas os portugueses e espanhóis trabalham na prática mais tempo, com uma idade efectiva de início da reforma de 62,6 anos e 62,3 anos, contra 62,2 anos para os alemães, refere ainda o estudo.


Os gregos não estão distantes desta média (61,5 anos) e a reforma das aposentações adoptada na primavera de 2010 na Grécia impôs o aumento da idade dos 60 para os 65 anos, com o objectivo de garantir uma idade média de 63,5 anos até 2015. Apenas franceses e italianos garantem hoje a reforma mais cedo que os alemães, precisa o estudo com data de 30 de Maio.


Em meados de Maio, a chanceler alemã, Angela Merkel, criticou publicamente as férias e os sistemas de reforma dos países do Sul da Europa, que considerou demasiado generosos. “É necessário que em países como a Grécia, Espanha, Portugal não seja garantida a reforma mais cedo que na Alemanha, e que todos façam os mesmos esforços, é importante”, disse na ocasião.


“Angela Merkel não refere quais os verdadeiros problemas dos países do Sul da zona euro”, conclui o chefe economista do Natixis.


A senhora Merkel não foi feliz na apreciação que terá feito. Criou mais confusão onde claramente precisamos de mais clarividência. Parece unânime que os países do Sul estão a precisar de uma lição de como viver ao nível das suas possibilidades e de como viver numa união monetária sem recurso à desvalorização da moeda como factor de competitividade. Os descalabros financeiros aí estão para provar que nos temos de vestir de modéstia e realidade. O que a senhora Merkel poderia ter feito, e integrando o discurso no contexto da crise orçamental em curso, seria dizer que os Alemães trabalham melhor e que vendem produtos de muito maior valor acrescentado. Ou seja, produzem muito mais para a mesma unidade de tempo, e aquilo que andam a produzir tem, em média, muito mais valor económico. E cumulativamente não são gente que coloque a carroça à fente dos bois, ou seja, não se endividam a torto e a direito, nem para comprar casa (por lá a percentagem de arrendamento ronda os 70%).

Poder-se-ia não apreciar discursos desta natureza, mas os países do sul têm que perceber que entraram num campeonato muito sério. A zona euro não foi feita para nos divertirmos a consumir mais do que produzimos e para nos dar taxas de juro baixas que potencia ainda mais esse hiato entre consumo e produção. E a propósito da zona Euro talvez valha bem a pena reflectirmos profundamente sobre o que um proeminente pensador europeu disse há uns 22 anos. Pena é que este tipo de reflexões não sejam produzidas nos nossos debates políticos...


Até certa medida os mercados financeiros de dívida soberana podem exercer uma influência disciplinante. Os investidores tendem a responder aos diferentes desenvolvimentos macroeconómicos de cada país e região, avaliando as respectivas politicas orçamentais e situações financeiras, penalizando os desvios às orientações acordadas em matéria de orçamento ou salários e, assim, exercendo pressão no sentido de melhores políticas. Contudo, a experiência sugere que os mercados nem sempre oferecem sinais fortes e determinantes e que o acesso a grandes mercados de capitais pode, por algum tempo, ser usado por alguns países para ajudar a financiar (disfarçar) os seus desequilíbrios económicos.

Ora, a experiência diz-nos ainda que, em vez de permitir uma adaptação gradual dos custos (juros cobrados), a opinião dos mercados sobre a credibilidade de devedores oficiais (países, governos e afins) tende a mudar de forma abrupta e pode, no limite, fechar totalmente o acesso dessas entidades aos mercados de financiamento. As restrições impostas pelos mercados podem, portanto, ser muito lentas ou totalmente repentinas e disruptivas. Por isso, os países têm de aceitar que a partilha de um mercado comum e de uma moeda comum impõem restrições às políticas individuais.

Isto é uma parte do relatório Delors, e cuja tradução acima recebi do meu ilustre amigo Nuno Marques (o sublinhado é meu).

O conhecimento nos dias de hoje é abundante. É responsabilidade do povo saber empossar quem melhor possa viabilizar o conhecimento existente e quem melhor souber alertar o povo para as dificuldades futuras. Cavaco Silva, Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, e Sócrates não souberam ler, e interiorizar, o que a pequena tradução acima poderia significar e de como as suas políticas validaram os temores então levantados no texto. Doravante iremos sofrer com isso. Hoje não se reconhece e interioriza que a questão demográfica irá ser o maior problema de Portugal a partir de 2025. A partir de 2025 eles irão sofrer com isso.

Outra Irlanda

DOMINGO, 29 DE MAIO DE 2011

A Irlanda oferece encantos inesperados. Existe uma zona na costa Oeste onde a língua oficial parece ser o Inglês com sotaque do West Virgínia ou do Texas. São resmas de Americanos que por aqui vêm tentar descobrir as suas raízes. Vêm, falam, tiram fotografias, jogam Golf, e ainda arranjam tempo para jantar. Acontece que um dia escolhi um restaurante onde se encontrava um grupo bem representativo dessa América, terra de todas as oportunidades. Os convivas, todos para cima de seis décadas de vida, resolveram brindar-me com um espectáculo digno de fazer chorar de inveja qualquer estudioso da sociedade Americana.

A caminho da sobremesa, resolveram estas almas começar a desabafar sobre os factos que mais os marcaram na vida. Seguiu-se então um rol de exemplos do que é a sociedade Americana. Nem faltou, para meu gáudio, a clássica história daquele jovem que após passar fome e de ter seguido o “curso” de uma instituição de solidariedade, acabou “bem na vida” decorrente dos negócios que montou. Escusado será dizer que a emoção que ia correndo por aqueles bancos iam provocando algumas lágrimas nos presentes. Lágrimas que confesso a muito custo iam sendo contidas na mesa onde me encontrava, entre um misto de contenção de emoções, bem como de resguardo de quem não deveria estar a escutar conversa alheia.

Desde então penso do quão importante para esta outra Irlanda é a visita contínua destes Americanos. Não só os visitantes cumprem com a sua vontade de conhecer as suas origens, como a Irlanda agradece economicamente. Mas há mais. Há um natural reforço dos laços entre os dois lados do Atlântico. Aliás, o agora presidente Obhama, também ele de ascendência Irlandesa, cá veio à terra dos seus ancestrais beber uma Guiness.

Não posso deixar de tentar fazer um paralelismo entre Portugal e o Brasíl. Gostaria um dia de ver grupos de Brasileiros pelo nosso Portugal em grande número a chorarem pelas mesas dos nossos belos restaurantes. Gostaria de os ver pelas nossas terras a jogarem Golf, a passearem, a verem os nossos castelos e aldeias, a conhecerem o nosso interior e os locais de onde a Nação cresceu. Seria bom para eles porque ficariam com uma noção mais aproximada de como tudo terá acontecido. E seria muito bom para a nossa economia. E já agora também seria bom para os tais laços Atlânticos e, secretamente que ninguém nos ouve, para a afirmação da nossa língua no mundo.

Da nossa parte há que começar a pensar em como vender esses pacotes turísticos, sabendo de antemão que, para além de termos de tratar do nosso antigo e fecundo complexo colonial relativamente ao Brasil, temos de perceber que este país tem outro tipo de habitantes para além daqueles que vêm preencher os trabalhos que os Portugueses ignorantemente andaram a renegar.

E talvez um dia um Irlandês possa escrever sobre um “Outro Portugal” quando visitar Estremoz

Surpresas gastronómicas

DOMINGO, 29 DE MAIO DE 2011

Toda a região Sul e Sudoeste da Irlanda têm-me surpreendido pela qualidade dos restaurantes. A carne, soberba, merece infinitas vénias. Os legumes, frescos e variados, são divinos. O cheese cake do restaurante Liberty Grill em Cork é de fazer parar o trânsito. Aqui só entram produtos do mais fresco que há, garantiu-me o responsável do restaurante após ter perguntado porque é que me enumerou os peixes do dia aquando do meu pedido de sopa de peixe. Talvez não terá sido em vão que a recente visita da Rainha de Inglaterra à Irlanda a monarca quisesse visitar o English Market em Cork.

Num restaurante em Kenmare resolvi pedir o melhor prato de carne da lista. Colocado à minha frente, cedo emergiu o meu preconceito. O naco de carne vinha envolto numa massa, e entre esta e a suposta soberba carne existia uma fina camada de cogumelos frescos. Francesices para Americano ver, pensei eu. Errado. Ainda hoje choro por aquele prato.

Toda esta região faz gala nos seus produtos naturais. Ainda ontem, também em Kenmare, fui convidado a escolher Lamb pois afiançaram-me que os bichos são de produção local e parece que desconhecem a ração. Outra vez divino. Tal como o creme de batata que também me foi sugerido. A salada, que pouco requisito, é aqui obrigatória. Bela confecção e excelentes ingredientes levaram-me ao júbilo. Pena que a carta de vinhos não permitisse um belo Douro. Assim tive que me refugiar pelo Chile, que digo, têm provado ter uma alma que desconhecia. Mas confesso, nem tudo correu perfeitamente. Leite creme é connosco. Café? Nem pensar.

Sei que somos bons na cozinha, mas também já ouvi entendidos dizerem que pensamos ser mais do que aquilo que somos. De cozinha nada percebo, mas de mesa ouso levantar o braço. E posso dizer que a este respeito a verdade não acaba nas nossas fronteiras.

Ainda assim nada como um belo cozido à portuguesa ou pezinhos de coentrada. Nem em Kenmare…